sábado, 30 de julho de 2016

Sem Partido ou Sem História?

A educação brasileira nunca me fez hesitar em falar ou refletir como é sua aplicação, muito menos sua grande importância. Tanto é que minha opinião já visitou lados diferentes.

Nesses últimos dias, me deparei novamente com o tema ao ler sobre o projeto de lei do Senado, do senador Magno Malta, que pretende instituir o "Programa Escola Sem Partido" que gerou divergências principalmente por tratar de ideologias e opiniões tão opostas.

Escola Sem Partido propõe que sejam fixados em salas de aula cartazes com os deveres do professor. Impedindo qualquer afronta às convicções religiosas ou à moral dos pais e apresentação e conteúdo ideológico para os estudantes. Mas, primeiro vamos partir do ponto em que os deveres do professor já existem e decorrem da nossa Constituição Federal e também da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em que, basicamente se trata da liberdade de consciência e crença, da liberdade de aprender dos alunos, do princípio constitucional da neutralidade política, religiosa e ideológica do Estado e por fim o pluralismo de ideias, citado no art. 206, III da CF.

Então por que não aumentar a pluralidade ao invés de restringi-la? Por que acreditar que cercear a liberdade de pensamento é uma boa alternativa?

Dessa vez o tema acompanha uma opinião clara, como não?

Educação esteve por muitos anos e  ainda está presente na minha vida com grande influência. Dentro da escola, que foi um dos poucos ambientes na sociedade em que obtive a condição de conhecer várias visões de mundo.

É como se a importância e preocupação em definir o que de fato é uma doutrinação estivesse sendo trocada pelo desejo de apenas proibi-la.

Como restaria a possibilidade de um conhecimento que permita à pessoa encontrar seus próprios valores se for colocado, no limite, no plano dos valores de não contestar a família e até mesmo a igreja?

Será que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche estaria certo ou errado ao falar que "convém ser rico em oposições, pois só a esse preço se é fecundo."?


Bom, é por isso que matutamos.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Enquete

Cansado da tradicional disputa pt X psdb, este blog resolveu deslocar o foco para outra querela: e se mudássemos nosso sistema de governo? O cenário da contenda aqui é parlamentarismo X presidencialismo.
Para começar, alguns conceitos básicos sobre o Brasil:


  • Forma de governo: república
  • Sistema de governo: presidencialista
  • Forma de Estado: federação


Não custa lembrar que, na condição de mera dona de casa, não sou nenhuma cientista política (confira meu currículo abaixo). Entretanto, posso lhes assegurar uma coisa: convém não confundir Estado com governo.
Em 1993, por meio de uma determinação da Constituição de 1988 (art. 2º do ADCT), o Brasil foi às urnas para um plebiscito que resultou na escolha do presidencialismo como sistema, e da república como forma de governo. Contudo, o assunto nunca morreu por completo: muitos defendem mudanças na decisão de 23 anos atrás, até porque não há vedação constitucional a uma nova consulta popular.
 
Isto posto, vamos aos dados. Em linhas gerais:

No parlamentarismo, não há uma separação rigorosa entre os poderes Executivo e Legislativo. Há duas figuras distintas: o chefe de governo e o chefe de Estado, este último normalmente uma figura simbólica, e o primeiro é o sujeito responsável pelo governo perante o parlamento, sendo quem efetivamente governa e administra, podendo ser destituído pelo parlamento.
Há uma preponderância do Legislativo sobre os outros dois poderes. O Executivo é um mero delegado da maioria parlamentar, a quem se atribui a função de governar em consonância com um programa aprovado pela maioria da casa legislativa. Para alguns, há menor facilidade de corrupção, por conta da diluição do poder.
Nem o Judiciário pode ir contra o congresso, pois, num sistema parlamentarista puro, a Constituição não é rígida[2]. Isto é: em sendo uma lei declarada inconstitucional, o Legislativo pode simplesmente mudar a Constituição.
“Estabelece-se um processo político semelhante a uma pirâmide de três degraus: na base, está o titular da soberania, o povo; sobre esta base, assenta-se um órgão de representação, o parlamento; e no vértice, sobre esta camada intermediária, instala-se um colégio mais reduzido, uma ‘comissão de confiança’ do parlamento, o governo (gabinete).” (Sandra Starling)
“Na sua forma ideal, o primeiro-ministro compartilha as decisões com seu gabinete e também com um presidente eleito pelo voto direto mas acima das disputas partidárias.” (Plínio Sampaio) Para tanto, o gabinete tem que ser constituído pela maioria dos representantes populares no legislativo, em torno de um programa de governo debatido e aprovado no parlamento.
A vantagem é a possibilidade de dissolução de um governo fraco, sem ter que se esperar até as próximas eleições. Caindo o governo, a casa legislativa forma um novo gabinete. Em não conseguindo, o próprio Congresso é dissolvido, e eleições são antecipadas. O arbitro dessas questões é o chefe de Estado.

Já o presidencialismo, amparado nas ideias de Montesquieu, observa uma separação nítida entre o Executivo e o Legislativo, preservando a harmonia entre os três poderes, que são independentes entre si, porém não de forma absoluta.
Neste sistema, o presidente reúne as funções de chefe de governo e chefe de Estado. O chefe do Executivo é eleito diretamente pelo sufrágio popular e tem um mandato independente do Parlamento. Ou seja: o presidente e a maioria da assembleia podem ser de partidos distintos. O presidencialismo difere do parlamentarismo justamente pelas origens distintas do poder Executivo e do poder Legislativo. Ao passo que no parlamentarismo o Executivo surge da correlação de forças entre os partidos eleitos para o Parlamento (já que é dado à casa legislativa montar o gabinete), no presidencialismo o Executivo deriva da eleição direta do presidente pelos cidadãos.
Compete ao presidente formar o gabinete (ministério), enquanto que, no outro sistema, essa tarefa cabe ao partido/coligação vitorioso(a). Esse gabinete indicado pelo presidente permanece até que haja novas eleições presidenciais, e seus indicados não precisam ser membros do parlamento nem agente públicos de carreira. No parlamentarismo, o gabinete é escolhido pela maioria, a qual representa a maioria popular.

Há, ainda, um meio termo: o semipresidencialismo, em que as duas figuras – chefe de governo e chefe de Estado –, dividem o poder. Ou seja: o chefe de estado não é mera figura decorativa, e é eleito pelo povo.

Temos, por fim, uma opção bem nossa: presidencialismo de coalizão[3]. Não é propriamente um sistema de governo; é mais uma característica de um presidencialismo deturpado. O chefe de governo (presidente), apesar de eleito diretamente, é refém do parlamento, dada a quantidade de partidos em atuação no Congresso. Este, por sua vez, não demonstra interesse em fazer as mudanças necessárias, ainda que tenha força para se opor ao chefe do Executivo.
Sua peculiaridade deve-se ao fato de conjugar o pacto interpartidos do parlamentarismo (é comum a formação de coalizões a fim de obter a maioria das cadeiras) e a eleição direta para chefe de governo do presidencialismo. Isso porque, sem uma coalizão a lhe dar base no Congresso, o presidente “reina, mas não governa”. Essa base é conseguida, por exemplo, através da distribuição de cargos em ministérios.

Desvantagens do presidencialismo:
  • Hipercentralização de poder, e possibilidade de cooptação da autoridade central. Tanto mais no Brasil, onde a sociedade se encontra sob a primazia dos grupos monopolistas financeiros.
  • O ministério surge da decisão absoluta do presidente.
  • A presidência é mitificada como a origem dos problemas e das soluções.
  • Para funcionar, depende da submissão do Congresso ao presidente. A existência de um parlamento em oposição ao governo gera graves conflitos administrativos, sobretudo se o chefe do Executivo, usando de uma prerrogativa que lhe é inerente neste sistema, veta matérias legais aprovadas na casa legislativa.

Desvantagens do parlamentarismo:
  • No parlamento, há representação apenas formal do povo, sendo que esses representantes falarão pelo povo no momento de escolha do chefe de governo e de formação do gabinete.
  • Só faz realmente sentido se reservar para consulta popular direta (plebiscito e referendo) os temas relevantes.
  • No Brasil, uma das casas legislativas teria que ser extinta, pois o parlamentarismo é, via de regra, unicameral.
  • Não impede a concentração de poder em uma pessoa[4].
  • Como o chefe de governo não é eleito pelo povo (e sim pelo parlamento), desprestigia-se a soberania popular. Por isso, diz-se que a legitimidade do governo é maior no presidencialismo, já que o consenso democrático deriva de uma relação direta entre os cidadãos e o titular da chefia de governo.
  • Esse suposto conluio entre o Legislativo e o Executivo não é saudável, pois a oposição ao governo é necessária para criar um ambiente mais democrático.
  • Atribuir a chefia de governo e a chefia de estado a pessoas distintas pode gerar crises institucionais.

Sim, é confuso, até porque os sistemas de governo analisados acima possuem infinitas variações a depender do país e do momento histórico em que são aplicados. Não tenho ferramenta para esgotar o tema.

“Qualquer sistema democrático de governo será apto a resolver os problemas do povo, desde que funcione.” (Afonso Arinos)



[2] Um exemplo é a Inglaterra, cuja Constituição é consuetudinária e não-escrita.
[3] Expressão cunhada por Sérgio Abranches em 1988.
[4] Hitler e Mussolini eram primeiros-ministros.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Da Felicidade

Parece, à primeira vista, ingenuidade ou babaquice matutar sobre a felicidade. Pode constituir-se tema mais apropriado a livro de autoajuda, cheio de fórmulas mágicas, estilo “Como evitar preocupações e começar a viver”, “Aprenda inglês, dormindo”, “Como ser bem sucedido no emprego, sem fazer nada, somente assobiando e comendo pimentão”. Há mesmo pessoas sisudas e compenetradas, que dizem com toda convicção que a felicidade não existe; o que há são momentos felizes, como ler um bom livro, comer tapioca molhada em água de coco, banhar-se nas piscininhas na maré secante, tomar caldo de cana na Praça do Ferreira, caminhar de manhã cedo pela Beira-Mar. Outras, como o poeta Vicente de Carvalho em Velho Tema, reconhecem que a felicidade existe, “mas nós não a alcançamos, porque está sempre apenas onde a pomos e nunca a pomos onde nós estamos”.

Tom Jobim, não lhe nega a existência, contudo assegura que passa rápido: é “como a pluma, que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve”. Daniel Kaminsky, personagem de “Hereges”, de Leonardo Padura, (Boitempo, 2015) diz para o filho Elías: “A felicidade é um estágio frágil, às vezes, instantâneo, uma faísca. Mas se você tiver sorte, pode ser duradouro”.

A felicidade parece, mesmo, ter caráter aleatório. Há pessoas que nascem, como se diz, de bunda para a lua, ou têm um anjo da guarda forte, ou parecem protegidas por uma boa estrela. Dependeria da dinâmica do céu, do signo zodiacal, da combinação de astros.

Também se lhe realça o caráter subjetivo: para o doente, felicidade é ter saúde; gozar de uma boa companhia para um solitário; arranjar novo emprego para quem sofreu demissão com a crise. Daí se conclui não poder haver mesmo receita universal para se ser feliz.

O direito a ser feliz nem sempre é reconhecido nas leis de uma nação.  No Congresso Nacional, há até uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 19), de 2010, do Senador Cristovam Buarque que altera o artigo 6º da Carta Magna, para incluí-lo mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade de adequadas condições de exercício desse direito.

Se procurarmos conceituar a felicidade, a matéria fica crespa. Vamos deparar com várias teorias filosóficas e religiosas que ora a consideram uma utopia, ora a põem no além, ora a erigem como valor supremo de suas verdades, ora a situam como algo alienante e burguês. Sobre o assunto, foi publicado excelente livro traduzido com o título “Sobre a Felicidade, uma viagem filosófica” de Frédéric Lenoir (Objetiva, 2016). Lá se lê que Flaubert encara o tema com ironia ao apontar três condições para ser feliz: ser bobo, egoísta e ter boa saúde. Ser bobo: a ignorância é meia felicidade? O ter boa saúde, no entanto, para Shopenhauer, é visto como algo fundamental para haver felicidade: “um mendigo com saúde é mais feliz que um rei doente”.

Os Antigos, como Aristóteles e Epicuro, situaram a felicidade como núcleo central da filosofia e a associaram ao prazer, porém o primeiro acentua a busca de prazer com o uso de razão, que garantirá a supremacia dos valores espirituais sobre os corporais; o segundo condiciona a felicidade à satisfação dos desejos naturais e necessários, como comer, beber, vestir-se, ter um abrigo. Os outros prazeres poderão existir, mas deverão ser usados com sobriedade e prudência. Tal associação entre felicidade e prazer continua ainda reconhecida até os dias de hoje. Acrescenta-se também, modernamente, que a aptidão para a felicidade é condicionada em grande parte, além do patrimônio genético, pelo equilíbrio dos neurotransmissores do cérebro e pela presença dos hormônios produzidos pelas glândulas endócrinas.

Afinal, somos ou não felizes, é a pergunta. Noutras palavras, estamos satisfeitos com a vida que levamos?  Achamos sentido naquilo que vivemos e fazemos? Apesar de a vida alternar momentos prazerosos e fases de sofrimento, um quadro estável de satisfação com nós mesmos, com os outros e com aquilo que nos cerca parece nos levar a concluir que uma felicidade relativa é possível, embora imperfeita, porquanto humana. Para muitos filósofos, como Kant, e para numerosas religiões, a felicidade plena, profunda e estável somente a encontraremos no além, após a morte.

Considere-se também que esse bem-estar subjetivo depende enormemente do bem-estar coletivo. Como se pode ser feliz em um país mergulhado em profunda crise de desemprego, em grave crise ética, sem garantir à população o básico no que diz respeito à saúde e à educação e à cidadania?

O Brasil, segundo pesquisa do Instituto Gallup feita entre setembro e dezembro de 2015, ficou abaixo da média mundial de felicidade. Enquanto outras nações apresentam o índice de felicidade em torno de 56%, o nosso fixou-se na casa dos 54%

Não basta procurar vagamente a felicidade. Devemos sempre desejá-la e construí-la em nosso dia a dia, assumindo plenamente o momento presente, aceitando a vida, como ela é, e procurando descobrir o que nos traz alegria e o que nos provoca tristeza. O importante, nas fases mais adversas que se apresentam, é conscientizar-se de que ser feliz depende mais de nós, do que do exterior. E nunca perder a esperança, pois às vezes a felicidade está bem mais perto do que imaginamos, como nos alerta Quintana, o poeta:

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!” 

quinta-feira, 7 de julho de 2016

A pureza de nosso intento

- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se numa gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem, eu ou ele, estaria errado?
- Vós – respondeu com firmeza o princepezinho. 
- Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar – replicou o rei. – A autoridade se baseia na razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, todos se rebelarão. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.
O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry, 1946


No Brasil, às vezes tenho a sensação de que não enxergamos as leis como regras necessárias ou obrigatórias. Nem passa pela nossa cabeça a ideia de que a elas temos de nos submeter. A lei por aqui pertence ao âmbito do oficialmente irrealizável, com solene status de utopia, da qual – dada a nobreza de propósitos - não podemos abrir mão. Assim como o inferno – mera coincidência uma eventual semelhança -  o Brasil também está repleto de boas intenções. Não seria absurdo condecorar nossa bela constituição, da qual muitos de nossos inacreditáveis políticos bem entendem, com o título de prova maior da pureza de nosso intento. As leis brasileiras parecem existir no vão afã de elevar a sociedade, ainda que essa se encontre a anos—luz de cumpri-las. Com um entendimento deformado do significado das leis, também a concepção de crime se destorce. Não é de espantar que o não cumprimento de uma lei de responsabilidade fiscal não seja considerado violação por muitos. Delitos, comuns ou administrativos, desaparecem quando muitos os praticam. Fica tudo no terreno do “era pra ser”. Afinal, a lei ninguém cumpre mesmo! A simplicidade dos meus argumentos descortina uma notória falta de intimidade com o universo jurídico. Deparo-me, vez por outra, com decisões judiciais sobre internamentos. Via de regra, são ordens que ferem o institucionalmente viável. Fazer o quê, se “a saúde é um direito de todos e um dever do estado”? O SUS, tal qual se propõe, é impraticável e ineficiente, mas ai de quem ousar dizê-lo! Qual o problema de adequar a lei a nossas capacidades? Por que insistimos em negar a realidade e ornamentar uma constituição sistematicamente descumprida? Muito pode e deve ser obedecido. Só não vejo como desumanidade o esforço para aproximar as regulamentações do mundo real. Para seguirmos no mesmo exemplo, um SUS de funções claras teria, certamente, maiores chances de executá-las. Justiça razoável requer condições propícias ao acatamento das leis, além de concretas consequências para quem as descumpre. Assim como generais não voam como borboletas, uma sociedade não se forja no papel. Como diz a sabedoria popular, “papel aguenta tudo”... Gente não.