Foi muito bom
ser jovem um dia e musicalmente foi muito bom ser jovem em Fortaleza, Brasil em
pleno anos 80. Como ficou estabelecido no primeiro esboço dessas saudades,
essas memorias são minha maneira de matutar o Brasil, assim mesmo de longe,
tanto no tempo quanto no espaço.
Os anos 80
trouxeram a explosão do rock nacional que na nossa casa chegou um dia com o
estranhamento diante do “Você não soube me amar” de uma certa banda chamada Blitz
– isso em algum dia de 1982. O que era isso? Não era samba, não era bossa-nova,
não era MPB, não era forro ou baião. Era o começo do Rock em brasileiro – só
que ainda não sabíamos que não seria apenas um ilha, era sim um continente.
Eventualmente esse continente seria explorado revelando geografias complexas
como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, e Titãs, algumas formações singulares
como Ultraje a Rigor, RPM, Plebe Rude, e Nenhum de Nos, assim como regiões que
ficaram entre o singular e o plural, como Kid Abelha, Barão Vermelho, Biquíni
Cavadão, IRA! e Engenheiros do Hawaii – sendo essa classificação estritamente
pessoal.
Entre a inesperada
Blitz de 82 e a confluência do Rock nacional seriam alguns meses de espera em
banho-maria, até que em 83 surge um tal de Paralamas do Sucesso com “Cinema
Mudo” que incluía “Vidal e Sua Moto”, assim como “Química” – musica escrita por
um rapaz de Brasília chamado Renato Russo. No ano seguinte chega Titãs estreando
“Sonífera Ilha” – “não posso mais viver assim ao seu ladinho, por isso colo meu
ouvido no radinho, de pilha...” seguido por Marvin, “Querem meu sangue”, e “Toda
Cor”. Também em 84 o Paralamas lançaria seu segundo álbum que trouxe um desfile
de sucessos raramente reunidos num só folego: “Óculos”, “Meu Erro”, “Fui Eu”,
“Romance Ideal”, “Ska”, “Mensagem de Amor”, “Me Liga”, e “Assaltaram a
gramatica” – e os jovens daquela época sabíamos de cor todas essas letras que
fizeram a trilha sonora das nossas primeiras dores de amor.
Essa energia
represada em 84 – com o estouro dessas duas bandas que marcariam nossa geração
- desaguaria em janeiro de 85 com a primeira edição do Rock in Rio. Aquele
evento marcou nossa geração mesmo naqueles que o viram das dunas do Ceara ou
ouviram de um primo do primo que teve o privilegio de ir por ter passado no
vestibular. Aquele primeiro Rock in Rio faria sim a passagem do bastão da
geração Doces Bárbaros e Tropicália para os novos donos do palco da nossa
geração. Ali se reuniriam o veteranos Gilberto Gil, Alceu Valença, Morais
Moreira, e Elba Ramalho assim como aquela geração que nascia e embalava nossas
vidas: os já citados Blitz e Paralamas, assim como a musa – cujo nome ainda não
sabíamos – do Kid Abelha e os Aboboras Selvagens, e o Barão Vermelho com
Cazuza.
Aquele ano de
1985 traria a estreia do fundamental Legião Urbana com alguns frutos que
levariam tempo para amadurecer mas que já espantavam nossos ouvidos adolescentes
como “Será” – “será que vamos conseguir vencer?”, “Por enquanto” – “está tudo
assim tão diferente/se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar/ que
tudo era pra sempre/ sem saber, que o pra sempre, sempre acaba/ mas nada vai
conseguir mudar, o que ficou/ quando penso em alguém só penso em você/ e ai
então estamos bem”, “Geração Coca-Cola” – “somos os filhos da revolução”, “Ainda
é cedo”; “uma menina me ensinou/quase tudo que eu sei”, e Soldados – “a gente
não queria lutar”. O ano de 1985 seria também o ano do RPM – uma banda, para
mim, de apenas um álbum – o genial “RPM ao vivo” que traria no ano seguinte os
mesmos sucessos de estúdio reunindo num só sopro: “Revoluções por minuto”, “Alvorada
Voraz”, “Olhar 43”, “A Cruz e A Espada”, e a ressureição da balada “London,
London”, do Caetano Veloso – quantas aulas em cursinho de inglês não usaram
essa musica para decifrar os tais “flying sources in the sky”!
E seria naquele
mesmo ano de 1986 que o Legião e o Titãs consolidariam sua posição nos nossos ventrículos,
tanto cerebrais como coronários, com o lançamento dos inesquecíveis “Dois” pelo
Legião e “Cabeça Dinossauro” pelo Titãs.
É difícil dar
a dimensão exata dessas duas obras-primas na cabeça de uma geração que nascera
sob a ditadura, crescera com ídolos exilados, e vivia de uma dieta musical
censurada. De repente chegava o Renato Russo, que já havia nos desafiado com
Geração Coca-Cola, cantando obras primas como “Eduardo e Monica”, “Quase Sem
Querer”, “Índios” e a maravilha que é “Tempo Perdido”. Ao mesmo tempo, surgia o
Cabeça Dinossauro cantando – ou gritando – coisas que estavam entaladas na
garganta de toda nossa geração com “Igreja” – “eu não gosto de padre, eu não
gosto de Deus!”, “Policia” “dizem que ela existe para proteger, dizem que ela
existe...” Bichos Escrotos “saiam dos lixos!” e “Família” “o choro do neném é
estridente, assim não da para ver televisão” Com essa mesmo rapidez percebíamos
que essas musicas que nos conquistavam não tocavam da mesma maneira nos ouvidos
do nossos pais e ai descobrimos que não éramos, como cantava a Elis nos versos
do conterrâneo Belchior, “como nossos pais”.
Éramos agora uma nova geração, uma nova estética, um novo som, uma nova
oportunidade de fazer do Brasil o nosso sonho, ou de pelo menos sonhar um novo
Brasil, democrático e plural. Um Brasil que se apoderava do Rock-and-roll e
fazia bonito, em português.
Esse ano de
1986 foi o ano em que completei 15 anos e como aluno 157 do Colégio Militar de
Fortaleza – nosso querido CMF – fazia parte de umas das trupes que dançavam
valsas nos aniversários das mocas completando aqueles mesmos quinze anos.
Depois da valsa rolava uma legião de titãs que incluía o próprios, assim como
RPM, Kid Abelha, e Barão Vermelho – fora alguns sucessos avulsos como o
Camisinha de Vênus – “Eu não matei Joana D’arc”, Joao Penca e os Miquinhos
Amestrados “Lagrimas de Crocodilo”, Leo Jaime – “Sete Vampiras”, e Metro “Tudo
Pode Mudar” e “Beat acelerado”. E o que acalentava nossos primeiros amores era
justamente essa parada de sucessos apos a valsa vienense. Por essa época também
a festa da padroeira de Jaguaruana, Nossa Senhora de Santana, era comemorada
com bandas de fora, inclusive o famoso Grupo Alcano de Recife, que lembro
tocando justamente a “Sonífera Ilha”, “Bete Balanço”, e “Pro Dia Nascer Feliz”.
Aqueles dias
nasciam felizes. Só nos restava esperar que morressem felizes também. E assim
fomos evoluindo com esses bardos, que cresceram conosco, o Legião inclusive
traçando esse crescimento até mesmo com o fabuloso “Quatro Estacoes” que
ensinou Camões a tantos da nossa geração – “o Amor é fogo que arde sem se ver/
É ferida que dói e não se sente”. Antes dos Quatro Estacoes, em 89, já haviam
também desafiado nossa capacidade de memorização em 87 com o lançamento do LP
contendo, além de “Angra dos Reis” e “Que Pais é esse”, a historia de Joao de
Santos Cristo – nos 10 minutos de Faroeste Caboclo – que sabíamos sim, de cor.
Assim o Legião foi traçando a nossa historia na sua ou a sua historia na nossa.
Esse traço chegou ao fim com o álbum “A Tempestade” – o triste adeus com
“Natalia” “Longe ao meu lado” “Via Láctea” “Aloha” “Esperando por Mim” “Quando
Você Voltar” e o “Livro Dos Dias”. Essa marcação feita pelo Legião da nossas
vidas chegaria ao ápice trágico naquela noite de 11 de outubro de 1996, quando
o Jornal Nacional anunciava a morte de Renato Russo, e com ele um pedaço
tristemente feliz e alegremente triste da nossas vidas. Já não éramos mais tão
jovens.