domingo, 10 de abril de 2016

A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR



Conflito é uma palavra que não representa um aspecto específico da realidade, mas determinados tipos de relações, sendo impossível definir contornos fixos para balizar seus significados. A origem etimológica do termo vem do latim conflictu (choque, embate, antagonismo, oposição) e do verbo confligere, que significa lutar. Os conflitos sociais, portanto, se relacionam com as diferenças, sendo gerados a partir da contraposição de ideias ou de condutas. Os conflitos podem ser destrutivos, produzindo violências, mas, a depender de como sejam resolvidos, podem contribuir de forma positiva para transformações nas relações sociais.

A violência no Brasil faz parte da cultura. Figura nos modelos de relações e de autoridade, marcados pela fragilidade dos espaços para o diálogo. Em 2014, 53.240 pessoas foram assassinadas em nosso país. Em números absolutos, o Brasil é país onde mais se produz homicídios em todo o mundo. Mudar esta realidade envolve um conjunto de ações que possibilitem alterar crenças e comportamentos profundamente enraizados na sociedade. A prática da mediação de conflitos, em contexto judicial ou extrajudicial, constitui uma estratégia que pode contribuir neste processo, ajudando a refazer laços afetivos, familiares e sociais. Mesmo que os mediados não cheguem a um acordo, o processo tende a diluir as hostilidades, constituindo um modelo de interação cooperativo, que pode ser utilizado em diferentes situações de disputa.

Nas escolas brasileiras, a mediação escolar ainda está começando a se desenvolver. A experiência considerada pioneira foi a do Projeto Escola de Mediadores desenvolvida no Rio de Janeiro em 2000, pelo Instituto NOOS, Viva Rio – Balcão de Direitos, Mediare e a Secretaria Municipal de Educação, em duas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro. A iniciativa teve o apoio do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, responsável pelo Programa “Escolas de Paz”. Os resultados desse projeto foram considerados muito positivos, tendo gerado a Cartilha Escola de Mediadores, que fornece informações sobre os processos de mediação, bem como de implementação da mediação escolar.

A mediação faz parte dos chamados meios Apropriados de Resolução de Disputas (RADs), que surgiram na década de 70 nos Estados Unidos da América e se espalharam rapidamente pelo mundo ocidental. Inicialmente, a sigla RADs significava Resolução Alternativa de Disputas, englobando os métodos alternativos ao julgamento pelo Judiciário. Os meios Apropriados de Resolução de Disputas englobam, entre outros, mediação, negociação, arbitragem e conciliação. Na mediação existe uma terceira pessoa que visa restabelecer o diálogo entre as partes (mais utilizada em situações onde existe um vínculo entre os envolvidos no conflito); na negociação não existe a terceira pessoa, as partes resolvem o problema diretamente; na conciliação, a terceira pessoa interfere ativamente visando a possibilitar um acordo; e na arbitragem uma terceira pessoa é eleita para tentar resolver o conflito.

Na Justiça brasileira, não existe ainda consolidada uma cultura que valorize os RADs, mas crenças que estimulam a resolução das querelas por meio de processos nos tribunais. Um importante passo para mudar essa realidade foi a criação da Lei 13. 140, que dispõe sobre a mediação judicial e extrajudicial na resolução de conflitos, publicada no Diário Oficial da União no dia 26 de junho de 2015 e passando a vigorar a partir de janeiro de 2016. Segundo o texto da Lei, fica determinado que qualquer conflito negociável possa ser mediado, com exceção dos que tratarem de filiação, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio, interdição, recuperação judicial ou falência. A Lei determina também que a mediação, além de presencial, pode ser realizada pela internet ou por meio de comunicação que permita o acordo à distância.

Cabe lembrar que a mediação escolar implica outra concepção de poder, mais horizontal, onde os sujeitos envolvidos em conflitos possuem um papel ativo na sua superação.  O poder de decisão deixa de se concentrar nas mãos dos educadores e passa a circular também entre os estudantes. Este parece ser o grande desafio para os gestores das escolas brasileiras: abrir mão de um modelo de poder centralizador e punitivo em nome de um modelo mais democrático e participativo. Desafio que não encontra como maior obstáculo os entraves burocráticos da máquina administrativa do Estado, mas envolve questões que a escola possui autonomia para resolver.

O problema central, tudo indica, é a existência de uma cultura escolar bastante enraizada, descrente na utilização de estratégias democráticas para enfrentar os problemas cotidianos.  Dito e outra forma, as escolas brasileiras, no geral, não acreditam no diálogo. Ainda é muito forte a presença de modelos de poder totalitários, onde não existem maiores espaços para divergências. Os ideais pedagógicos dominantes ainda estão voltados para produzir homogeneizações. Seja na escola ou na família, o ideal de pessoa continua sendo o sujeito que aceita se submeter à ordem estabelecida sem maiores questionamentos. Os conflitos de interesses ainda são tratados sobre o signo da rebeldia e da desobediência, logo, passíveis de punição.

No Brasil são poucos os estudos sobre experiências de mediação de conflitos na escola, exigindo uma avaliação cuidadosa das possibilidades de implantação desse método, que não deve ser feito por pessoas desqualificadas. A nossa histórica tradição de autoritarismo e descrença no diálogo não será desfeita da noite para o dia. As escolas sempre culparam o estudante pelo fracasso dos seus programas, sem um olhar mais crítico sobre si mesmo. As chances de experiências de mediação funcionarem dentro de uma instituição antidemocrática, que não se implica com as ações que ocorrem no seu interior, são frágeis. A crença na justiça e no respeito às regras de convívio coletivo se fortalecem em um ambiente onde existe diálogo. Esse é o princípio fundamental da democracia e um grande desafio para as escolas brasileiras no século XXI. Não há como educar jovens forjados em uma cultura individualista, que tem como pressuposto básico a liberdade de escolha, de maneira unilateral, através de imposições e castigos.


Antônio Lima



Um comentário :

  1. "A crença na justiça e no respeito às regras de convívio coletivo se fortalecem em um ambiente onde existe diálogo." Bravo! Comecemos pelo diálogo! Belo texto.

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