Conflito é uma palavra que não representa um
aspecto específico da realidade, mas determinados tipos de relações, sendo
impossível definir contornos fixos para balizar seus significados. A origem etimológica do termo vem do latim conflictu (choque, embate, antagonismo, oposição) e do
verbo confligere, que
significa lutar. Os conflitos sociais, portanto, se relacionam com as
diferenças, sendo gerados a partir da contraposição de ideias ou
de condutas. Os conflitos podem ser destrutivos, produzindo violências, mas, a
depender de como sejam resolvidos, podem contribuir de forma positiva para
transformações nas relações sociais.
A violência no Brasil faz parte da
cultura. Figura nos modelos de relações e de autoridade, marcados pela fragilidade
dos espaços para o diálogo. Em 2014, 53.240 pessoas foram assassinadas em nosso
país. Em números absolutos, o Brasil é país onde mais se produz homicídios em
todo o mundo. Mudar esta realidade envolve um conjunto de ações que
possibilitem alterar crenças e comportamentos profundamente enraizados na
sociedade. A prática da mediação de conflitos, em contexto judicial ou
extrajudicial, constitui uma estratégia que pode contribuir neste processo,
ajudando a refazer laços afetivos, familiares e sociais. Mesmo que os mediados
não cheguem a um acordo, o processo tende a diluir as hostilidades,
constituindo um modelo de interação cooperativo, que pode ser utilizado em diferentes
situações de disputa.
Nas escolas
brasileiras, a mediação escolar ainda está começando a se desenvolver. A
experiência considerada pioneira foi a do Projeto Escola de Mediadores
desenvolvida no Rio de Janeiro em 2000, pelo Instituto NOOS, Viva Rio – Balcão
de Direitos, Mediare e a Secretaria Municipal de Educação, em duas escolas
públicas do Município do Rio de Janeiro. A iniciativa teve o apoio do
Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos,
responsável pelo Programa “Escolas de Paz”. Os resultados desse projeto foram
considerados muito positivos, tendo gerado a Cartilha Escola de Mediadores, que
fornece informações sobre os processos de mediação, bem como de implementação
da mediação escolar.
A mediação faz parte
dos chamados meios Apropriados de Resolução de Disputas (RADs), que surgiram na
década de 70 nos Estados Unidos da América e se espalharam rapidamente pelo
mundo ocidental. Inicialmente, a sigla RADs significava Resolução Alternativa
de Disputas, englobando os métodos alternativos ao julgamento pelo Judiciário. Os
meios Apropriados de Resolução de Disputas englobam, entre outros, mediação,
negociação, arbitragem e conciliação. Na mediação existe uma terceira pessoa
que visa restabelecer o diálogo entre as partes (mais utilizada em situações
onde existe um vínculo entre os envolvidos no conflito); na negociação não
existe a terceira pessoa, as partes resolvem o problema diretamente; na
conciliação, a terceira pessoa interfere ativamente visando a possibilitar um
acordo; e na arbitragem uma terceira pessoa é eleita para tentar resolver o
conflito.
Na Justiça brasileira,
não existe ainda consolidada uma cultura que valorize os RADs, mas crenças que
estimulam a resolução das querelas por meio de processos nos tribunais. Um
importante passo para mudar essa realidade foi a criação da Lei 13. 140, que
dispõe sobre a mediação judicial e extrajudicial na resolução de conflitos, publicada
no Diário Oficial da União no dia 26 de junho de 2015 e passando a vigorar a
partir de janeiro de 2016. Segundo o texto da Lei, fica determinado que qualquer
conflito negociável possa ser mediado, com exceção dos que tratarem de
filiação, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio, interdição,
recuperação judicial ou falência. A Lei determina também que a mediação, além
de presencial, pode ser realizada pela internet ou por meio de comunicação que
permita o acordo à distância.
Cabe
lembrar que a mediação escolar implica outra concepção de poder, mais
horizontal, onde os sujeitos envolvidos em conflitos possuem um papel ativo na
sua superação. O poder de decisão deixa
de se concentrar nas mãos dos educadores e passa a circular também entre os estudantes.
Este parece ser o grande desafio para os gestores das escolas brasileiras: abrir
mão de um modelo de poder centralizador e punitivo em nome de um modelo mais
democrático e participativo. Desafio que não encontra como maior obstáculo os
entraves burocráticos da máquina administrativa do Estado, mas envolve questões
que a escola possui autonomia para resolver.
O
problema central, tudo indica, é a existência de uma cultura escolar bastante enraizada,
descrente na utilização de estratégias democráticas para enfrentar os problemas
cotidianos. Dito e outra forma, as
escolas brasileiras, no geral, não acreditam no diálogo. Ainda é muito forte a
presença de modelos de poder totalitários, onde não existem maiores espaços
para divergências. Os ideais pedagógicos dominantes ainda estão voltados para
produzir homogeneizações. Seja na escola ou na família, o ideal de pessoa continua
sendo o sujeito que aceita se submeter à ordem estabelecida sem maiores
questionamentos. Os conflitos de interesses ainda são tratados sobre o signo da
rebeldia e da desobediência, logo, passíveis de punição.
No Brasil
são poucos os estudos sobre experiências de mediação de conflitos na escola,
exigindo uma avaliação cuidadosa das possibilidades de implantação desse
método, que não deve ser feito por pessoas desqualificadas. A nossa histórica
tradição de autoritarismo e descrença no diálogo não será desfeita da noite
para o dia. As escolas sempre culparam o estudante pelo fracasso dos seus
programas, sem um olhar mais crítico sobre si mesmo. As chances de experiências
de mediação funcionarem dentro de uma instituição antidemocrática, que não se
implica com as ações que ocorrem no seu interior, são frágeis. A crença na
justiça e no respeito às regras de convívio coletivo se fortalecem em um
ambiente onde existe diálogo. Esse é o princípio fundamental da democracia e um
grande desafio para as escolas brasileiras no século XXI. Não há como educar
jovens forjados em uma cultura individualista, que tem como pressuposto básico
a liberdade de escolha, de maneira unilateral, através de imposições e
castigos.
Antônio Lima
"A crença na justiça e no respeito às regras de convívio coletivo se fortalecem em um ambiente onde existe diálogo." Bravo! Comecemos pelo diálogo! Belo texto.
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