Na sua opinião, qual o exame médico mais capaz de
identificar uma alteração óssea, a ressonância magnética ou a tomografia
computadorizada? E sobre aritmética, qual a sua opinião sobre quanto é 2 + 2?
Sua opinião é relevante sobre esses assuntos? E sobre política, qual a sua
opinião a respeito de privatização de uma empresa? Desde 2013, o brasileiro vem
deixando de discutir futebol para discutir política. As disputas pela eleição
de 2014 foram mais apaixonadas do que a torcida pela seleção brasileira durante
a Copa do Mundo. Isso, a Copa tendo sido aqui no Brasil. Essa mudança ocorreu
justamente, e talvez por isso, numa época de fácil propagação de ideias, com
possibilidade de discussões a respeito de política via redes sociais e
internet. Se antes cada brasileiro era um técnico de futebol, hoje cada
brasileiro é um comentarista político. Diante de uma proliferação de
comentaristas, naturalmente, alguns estarão embasados, enquanto outros
escreverão as maiores bobagens. Grupos rivais, no entanto, acham que estão
competindo com os mais renomados jornalistas ou cientistas políticos.
Acha-se facilmente na internet um vídeo em
que o filósofo Bertrandt Russell dá, na primeira metade do século XX, dois
conselhos à humanidade futura. Um dos conselhos é "diante de algum assunto
que você venha a estudar, atenha-se aos fatos, não àquilo que você gostaria que
fossem os fatos". Com as atuais discussões virtuais, acaloradas a ponto de
causar perdas de amizades, obviamente, sugere-se que os ânimos se acalmem.
Diante de uma discussão política com pontos de vista diferentes, no entanto,
será que duas opiniões divergentes devem ser aceitas, pois ambas podem estar
corretas, ou será que um dos (ou mesmo ambos) pontos de vista está simplesmente
errado? Este texto tem a audácia de servir de guia politicamente correto para
elevar as discussões sobre política.
Administração pública
O papel do Estado é um assunto de muita
controvérsia, mas dois pontos são inquestionáveis:
- Para qualquer coisa que o Estado for fazer, será necessário haver verba.
- Toda verba do Estado provém de impostos.
A parte mais difícil para responder à
questão sobre verdades diante de discussões políticas vem agora.
Discussões sobre saúde pública
Com a Constituição Cidadã, de 1988, o
Brasil passou a tornar papel do Estado o provimento de saúde pública, gratuita
e universal. A grande discussão é: saúde pública bancada pelo Estado (ou seja,
cada pessoa pagando via impostos - ou alguém ainda acha que é de graça?) é
melhor que saúde privada (cada um pagando por si)? Parênteses: o não
cumprimento desta determinação constitucional não torna, legalmente, todos os
presidentes pós-1988 infratores da Constituição? Qual a consequência para um
Presidente que fere a Constituição? Fecha parênteses. Perguntas a serem
respondidas antes de discutir sobre saúde pública. 1- Qual o orçamento do
Ministério da Saúde? 2- Quanto custa, por ano, por pessoa, a saúde nos países
que possuem saúde de qualidade para todos? 3- Haveria verba para prover saúde
pública de qualidade para todos os brasileiros se não houvesse corrupção? 4- A
saúde pública gerida pelo Estado é mais eficaz na gestão de recursos? Em outras
palavras, com o orçamento do Sírio-Libanês, o Estado consegue manter um
Sírio-Libanês? Pronto: comecem a discussão. Com essas informações resolvidas,
torna-se mais relevantes discussões como: como o Estado pode prover saúde
pública para sua população de forma mais eficiente? Por meio do SUS, onde todo
o serviço de saúde é planejado, executado e provido pelo Estado (como defendem
os estatistas)? Ou por meio de vouchers (ou plano de saúde pago pelo governo)
para serem usados em instituições privadas (como defendem os liberais)? Foi
tomada uma decisão no passado, de enfatizar a saúde primária e preventiva, ao
invés de focar na medicina especializada. Os melhores estudantes de medicina,
no entanto, não têm escolhido trabalhar com saúde primária e medicina
preventiva. Além disso, tem sido difícil interiorizar o provimento de saúde no
interior do Brasil. Considerando que seja mesmo melhor priorizar a medicina
primária e a medicina preventiva, qual a melhor maneira de tornar isso
realidade? Essas perguntas podem ser respondidas de forma objetiva e técnica?
Não é necessário esmiuçar por categoria,
pois o recado já foi dado. Para cada área, algumas questões precisam ser
conhecidas antes de iniciar discussão. Muitos dos questionamentos, obviamente,
não possuem ainda respostas, mas será que muitas das divergências políticas não
poderiam ser solucionadas encontrando, simplesmente, verdades incontestáveis?
O "método científico" para
buscar verdades
Há muitos anos, nas universidades e em
instituições de pesquisa, utiliza-se o "método científico" para
buscar verdades. O método científico consiste em uma técnica de busca da
verdade. Conhecimentos prévios aliados a testes imparciais permitem avaliar
hipóteses e chegar a conclusões. Na área da saúde, por exemplo, um ensaio
clínico duplo-cego randomizado é a maneira mais eficaz de saber se um remédio
funciona ou não. Esse tipo de estudo utiliza dois grupos de pessoas,
distribuídos de forma aleatória, um grupo que usa pílula com medicamento e
outro que usa pílula de farinha. Os resultados são avaliados por pessoas que
não sabem quais indivíduos tomaram uma ou outra pílula. Será possível chegar a
verdades políticas ou verdades em administração pública utilizando o método
científico? Será que não seria uma maneira mais racional para se tomarem
decisões? Quais foram os parâmetros que nossos parlamentares usaram, em 1988,
para escrever nossa Constituição? Foram embasados em algum estudo científico?
Nossos presidentes utilizaram alguma ferramenta científica para escolher a
melhor maneira de distribuir o dinheiro público? Se o objetivo político é
“prover saúde de qualidade para todos”, a solução mais eficiente precisa ser
“prover saúde por empresas do governo, com remédios comprados pelo governo,
prescritos por médicos contratados pelo governo”? Será que a resposta a essa
pergunta pode ser dada pela Ciência, tornando menos relevante a opinião pessoal
de milhares?
Parece
que, ao invés de brigar ou cuspir em pessoas que divergem da própria opinião,
seria mais construtivo o estudo científico da questão da discórdia. Será que a
Ciência ainda não consegue determinar verdades para perguntas tão polêmicas
como "privatizar melhora ou piora a utilidade de uma empresa para uma
população?", "elevar impostos para aumentar a oferta pública de um
serviço realmente o otimiza?", "subsídios a empresas grandes
enriquece ou não um país?".
Naturalmente,
para escrever no Facebook, não é necessário um estudo detalhado sobre um
assunto de educação pública ou administração de verbas da saúde, mas será que,
para um administrador público, não deveria ser algo a se pensar? Talvez seja
possível deixar de lado as discussões para assuntos que a Ciência não pode
ainda encontrar verdades. Como tornar as decisões estatais mais científicas?
Mais técnicas, menos políticas? Será que a democracia que permite
semianalfabetos serem eleitos é uma maneira aceitável de decidir políticas
públicas? Os analfabetos precisam ser representados no Congresso Nacional? É
inteligente permitir que “qualquer pessoa” proponha leis, mas apenas juízes
submetidos a difíceis exames julguem as execuções dessas mesmas leis?
A
proposta
Fica
aqui uma proposta, em tempos de incontestável necessidade de reforma política:
criar, no Congresso Nacional, grupos de cientistas com o objetivo de decidir
baseado na ciência, não nos interesses de grupos políticos. Seguindo o conselho
de Russel, políticas públicas precisam ignorar ideologias (aquilo que se
gostaria que fosse a verdade) para encontrar as melhores soluções de problemas.
Talvez a Ciência possa contribuir um pouco mais, e a Política, um pouco menos. As comissões técnicas do Congresso –
Comissão de Ética, Comissão de Justiça, Comissão de Educação, etc.- talvez não
precisem ser formadas por políticos. E se essas comissões fossem formadas por
cientistas, com provas de admissão periódicas, com critérios mínimos de seleção
(ser PhD, por exemplo)? Apenas as propostas de lei que fossem cientificamente
aceitáveis, seriam postas em votação no Plenário, que, por sua vez, talvez
devesse ser composto por políticos com formação acadêmica mínima o suficiente
para entender questões técnicas tão diversas. Talvez fosse interessante que,
para se candidatar, as pessoas deveriam primeiro ser aprovadas num teste sobre
história do Brasil e administração pública, com questões de metodologia
científica e lógica aristotélica. Talvez fosse interessante exigir um curso
superior. Ao invés de cada deputado ter direito a 30 assessores, deveria ter
direito a dois ou três. Ao invés de 570 deputados, que tal 300? O dinheiro
economizado com menos deputados e assessores poderia ser mais bem empregado em
comissões científicas de nomes ilibados, qualificados e periodicamente
modificados. Alguém tem uma sugestão técnica melhor?
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