quarta-feira, 11 de maio de 2016

Mais Ciência e Menos Política?

Na sua opinião, qual o exame médico mais capaz de identificar uma alteração óssea, a ressonância magnética ou a tomografia computadorizada? E sobre aritmética, qual a sua opinião sobre quanto é 2 + 2? Sua opinião é relevante sobre esses assuntos? E sobre política, qual a sua opinião a respeito de privatização de uma empresa? Desde 2013, o brasileiro vem deixando de discutir futebol para discutir política. As disputas pela eleição de 2014 foram mais apaixonadas do que a torcida pela seleção brasileira durante a Copa do Mundo. Isso, a Copa tendo sido aqui no Brasil. Essa mudança ocorreu justamente, e talvez por isso, numa época de fácil propagação de ideias, com possibilidade de discussões a respeito de política via redes sociais e internet. Se antes cada brasileiro era um técnico de futebol, hoje cada brasileiro é um comentarista político. Diante de uma proliferação de comentaristas, naturalmente, alguns estarão embasados, enquanto outros escreverão as maiores bobagens. Grupos rivais, no entanto, acham que estão competindo com os mais renomados jornalistas ou cientistas políticos.



Acha-se facilmente na internet um vídeo em que o filósofo Bertrandt Russell dá, na primeira metade do século XX, dois conselhos à humanidade futura. Um dos conselhos é "diante de algum assunto que você venha a estudar, atenha-se aos fatos, não àquilo que você gostaria que fossem os fatos". Com as atuais discussões virtuais, acaloradas a ponto de causar perdas de amizades, obviamente, sugere-se que os ânimos se acalmem. Diante de uma discussão política com pontos de vista diferentes, no entanto, será que duas opiniões divergentes devem ser aceitas, pois ambas podem estar corretas, ou será que um dos (ou mesmo ambos) pontos de vista está simplesmente errado? Este texto tem a audácia de servir de guia politicamente correto para elevar as discussões sobre política.

Administração pública

O papel do Estado é um assunto de muita controvérsia, mas dois pontos são inquestionáveis:
  1. Para qualquer coisa que o Estado for fazer, será necessário haver verba.
  2. Toda verba do Estado provém de impostos.
Alguém discorda disso? Não, né? Ufa, nenhum inimigo novo até agora! Diante dessa verdade inquestionável, é salutar, portanto, que, antes de iniciar uma discussão, cada um se pergunte "eu sei quanto o governo possui de orçamento?". Se você sabe quanto o governo arrecada, a segunda pergunta a responder é "quais e de quanto são os principais gastos do governo?". Já sabe a resposta? Pode prosseguir. O próximo conhecimento indispensável para iniciar uma discussão política é "o orçamento do governo fecha no fim do ano ou são necessários empréstimos para fechar as contas?". Essas perguntas iniciais impedirão comentários bobos como "claro que tem dinheiro, o problema é a corrupção". Todas essas informações são públicas e divulgadas por órgãos com credibilidade, como o Portal da Transparência e o Banco Central do Brasil. Pronto, esta foi a parte fácil.

A parte mais difícil para responder à questão sobre verdades diante de discussões políticas vem agora.

Discussões sobre saúde pública

Com a Constituição Cidadã, de 1988, o Brasil passou a tornar papel do Estado o provimento de saúde pública, gratuita e universal. A grande discussão é: saúde pública bancada pelo Estado (ou seja, cada pessoa pagando via impostos - ou alguém ainda acha que é de graça?) é melhor que saúde privada (cada um pagando por si)? Parênteses: o não cumprimento desta determinação constitucional não torna, legalmente, todos os presidentes pós-1988 infratores da Constituição? Qual a consequência para um Presidente que fere a Constituição? Fecha parênteses. Perguntas a serem respondidas antes de discutir sobre saúde pública. 1- Qual o orçamento do Ministério da Saúde? 2- Quanto custa, por ano, por pessoa, a saúde nos países que possuem saúde de qualidade para todos? 3- Haveria verba para prover saúde pública de qualidade para todos os brasileiros se não houvesse corrupção? 4- A saúde pública gerida pelo Estado é mais eficaz na gestão de recursos? Em outras palavras, com o orçamento do Sírio-Libanês, o Estado consegue manter um Sírio-Libanês? Pronto: comecem a discussão. Com essas informações resolvidas, torna-se mais relevantes discussões como: como o Estado pode prover saúde pública para sua população de forma mais eficiente? Por meio do SUS, onde todo o serviço de saúde é planejado, executado e provido pelo Estado (como defendem os estatistas)? Ou por meio de vouchers (ou plano de saúde pago pelo governo) para serem usados em instituições privadas (como defendem os liberais)? Foi tomada uma decisão no passado, de enfatizar a saúde primária e preventiva, ao invés de focar na medicina especializada. Os melhores estudantes de medicina, no entanto, não têm escolhido trabalhar com saúde primária e medicina preventiva. Além disso, tem sido difícil interiorizar o provimento de saúde no interior do Brasil. Considerando que seja mesmo melhor priorizar a medicina primária e a medicina preventiva, qual a melhor maneira de tornar isso realidade? Essas perguntas podem ser respondidas de forma objetiva e técnica?

Não é necessário esmiuçar por categoria, pois o recado já foi dado. Para cada área, algumas questões precisam ser conhecidas antes de iniciar discussão. Muitos dos questionamentos, obviamente, não possuem ainda respostas, mas será que muitas das divergências políticas não poderiam ser solucionadas encontrando, simplesmente, verdades incontestáveis?

O "método científico" para buscar verdades

Há muitos anos, nas universidades e em instituições de pesquisa, utiliza-se o "método científico" para buscar verdades. O método científico consiste em uma técnica de busca da verdade. Conhecimentos prévios aliados a testes imparciais permitem avaliar hipóteses e chegar a conclusões. Na área da saúde, por exemplo, um ensaio clínico duplo-cego randomizado é a maneira mais eficaz de saber se um remédio funciona ou não. Esse tipo de estudo utiliza dois grupos de pessoas, distribuídos de forma aleatória, um grupo que usa pílula com medicamento e outro que usa pílula de farinha. Os resultados são avaliados por pessoas que não sabem quais indivíduos tomaram uma ou outra pílula. Será possível chegar a verdades políticas ou verdades em administração pública utilizando o método científico? Será que não seria uma maneira mais racional para se tomarem decisões? Quais foram os parâmetros que nossos parlamentares usaram, em 1988, para escrever nossa Constituição? Foram embasados em algum estudo científico? Nossos presidentes utilizaram alguma ferramenta científica para escolher a melhor maneira de distribuir o dinheiro público? Se o objetivo político é “prover saúde de qualidade para todos”, a solução mais eficiente precisa ser “prover saúde por empresas do governo, com remédios comprados pelo governo, prescritos por médicos contratados pelo governo”? Será que a resposta a essa pergunta pode ser dada pela Ciência, tornando menos relevante a opinião pessoal de milhares?

Parece que, ao invés de brigar ou cuspir em pessoas que divergem da própria opinião, seria mais construtivo o estudo científico da questão da discórdia. Será que a Ciência ainda não consegue determinar verdades para perguntas tão polêmicas como "privatizar melhora ou piora a utilidade de uma empresa para uma população?", "elevar impostos para aumentar a oferta pública de um serviço realmente o otimiza?", "subsídios a empresas grandes enriquece ou não um país?".

Naturalmente, para escrever no Facebook, não é necessário um estudo detalhado sobre um assunto de educação pública ou administração de verbas da saúde, mas será que, para um administrador público, não deveria ser algo a se pensar? Talvez seja possível deixar de lado as discussões para assuntos que a Ciência não pode ainda encontrar verdades. Como tornar as decisões estatais mais científicas? Mais técnicas, menos políticas? Será que a democracia que permite semianalfabetos serem eleitos é uma maneira aceitável de decidir políticas públicas? Os analfabetos precisam ser representados no Congresso Nacional? É inteligente permitir que “qualquer pessoa” proponha leis, mas apenas juízes submetidos a difíceis exames julguem as execuções dessas mesmas leis?


A proposta

Fica aqui uma proposta, em tempos de incontestável necessidade de reforma política: criar, no Congresso Nacional, grupos de cientistas com o objetivo de decidir baseado na ciência, não nos interesses de grupos políticos. Seguindo o conselho de Russel, políticas públicas precisam ignorar ideologias (aquilo que se gostaria que fosse a verdade) para encontrar as melhores soluções de problemas. Talvez a Ciência possa contribuir um pouco mais, e a Política, um pouco menos. As comissões técnicas do Congresso – Comissão de Ética, Comissão de Justiça, Comissão de Educação, etc.- talvez não precisem ser formadas por políticos. E se essas comissões fossem formadas por cientistas, com provas de admissão periódicas, com critérios mínimos de seleção (ser PhD, por exemplo)? Apenas as propostas de lei que fossem cientificamente aceitáveis, seriam postas em votação no Plenário, que, por sua vez, talvez devesse ser composto por políticos com formação acadêmica mínima o suficiente para entender questões técnicas tão diversas. Talvez fosse interessante que, para se candidatar, as pessoas deveriam primeiro ser aprovadas num teste sobre história do Brasil e administração pública, com questões de metodologia científica e lógica aristotélica. Talvez fosse interessante exigir um curso superior. Ao invés de cada deputado ter direito a 30 assessores, deveria ter direito a dois ou três. Ao invés de 570 deputados, que tal 300? O dinheiro economizado com menos deputados e assessores poderia ser mais bem empregado em comissões científicas de nomes ilibados, qualificados e periodicamente modificados. Alguém tem uma sugestão técnica melhor?

Nenhum comentário:

Postar um comentário