E foi essa saudade que transbordou quando convidado a contribuir
num blog espertamente chamado Matutando o Brasil. E as primeiras saudades são
musicais.
Minha geração
nasceu na ditadura e se descobriu adolescente quando o Brasil se descobria
democracia. Fizemos a ponte da Bossa Nova para a música de protesto dos
festivais e daí para o rock nacional anos 80. Na nossa casa tínhamos aspirações
de classe ilustrada com as finanças de proletariado - quem cresceu nessa época
conhece bem essa palavra, quem não cresceu pode ir ao Aurélio ou ao
Google. Então tínhamos que ser seletivos
na discografia. Os discos - os chamados LPs - que não sabíamos ser long play - formavam então a nossa
trilha sonora pessoal, para momentos de conquista ou mais frequentemente para
momentos de dor-de-cotovelo. Não sei se essa pode ser a trilha sonora de uma
geração mas certamente foi a trilha sonora de um grupo de jovens criados ali
pelas imediações da Santos Dummont com Barão de Aracati, circa 1980.
Foi
justamente na entrada desse ano que a Simone gravou um show ao vivo no Canecão e gerou um belíssimo registro,
incluindo pérolas como Jura Secreta – Só
uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz; Começar de Novo – sem contar contigo, vai valer a pena, ter amanhecido; Sob Medida meu amigo, se ajeite comigo e de graças a
Deus - numa mistura magistral com Orgulho, Vingança, e Matriz ou Filial,
fechando o Lado A com Não Sonho Mais – foi
um sonho medonho desses que as vezes a gente sonha. O lado B começava com
Maria, Maria - que anos depois iria eleger uma prefeita de Fortaleza; seguindo
para Cigarra e para a até então censurada Para Não Dizer que Não Falei das
Flores - conhecida como Caminhando e Cantando e a primeira música que se
aprendia no violão pois só tem dois acordes Mi menor e Ré maior; daí partia
para Aquarela do Brasil e depois Eu To Voltando. Outro LP que marcou nosso
juízo foi o Mel da Maria Bethânia, com a forte sensualidade dos
Lábios de Mel, Cheiro de Amor, Amando Sobre os Jornais, e ainda Grito de Alerta
do Gonzaguinha. Ainda dessa geração
tínhamos coisa do Vinícius - cantando com Toquinho e Maria Creusa - sobre a Tarde de Itapoã e aquele velho calção de banho.
Tínhamos dias para vadiar nessa época. O disco incluia ainda o grande Eu Sei que vou te amar –
que fez uma geracao aprender a declamar “de tudo ao meu amor serei atento”
e “que seja eterno enquanto dure”. Havia claro um disco do Chico Buarque - ele
cantando aquele inesquecível Sinal Fechado do
Paulinho da Viola Olá, como vai? Eu vou
indo e você, tudo bem? Fechando com o grande Cartola ensinando que a Vida é um Moinho e que As Rosas Não Falam – simplesmente exalam o perfume que roubam de
ti.
Num lance
mais eclético tínhamos ainda um disco do Sivuca chamado Cabelo de Milho, que abre
com a sabedoria “Tanta água no coco e o riacho tão seco e só” e terminava na Feira de Mangaio. Esse disco tinha inclusive a
participação do Fagner - que sempre parecia um primo distante sendo cearense -
cantado Nos Tempos dos Quintais.
Assim se fecha essa primeira impressão imprecisa da
memória musical dessa enorme saudade.
Esses poucos discos desses grandes artistas, alguns no seu auge de
talento e em sintonia com o momento social e politico do Brasil, estavam
amadurecendo aqueles ouvidos infantis para a explosão que seria o rock
brasileiro. Que fica
para o próximo blogpost.
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