quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Matutando (Saudades d)o Brasil: Memórias Afetivo-Musicais 1

“Um dia o Brasil vai ser para você uma grande saudade.” Eu costumava dizer a minha amiga Eliana Vasconcelos, quando ela falava em migrar para os Estados Unidos depois da nossa formatura em medicina. Tendo tido eu mesmo a dor de sair do Brasil duas vezes, a primeira em 1997 e a segunda em 2006, hoje essa saudade é minha também.

E foi essa saudade que transbordou quando convidado a contribuir num blog espertamente chamado Matutando o Brasil. E as primeiras saudades são musicais.


Minha geração nasceu na ditadura e se descobriu adolescente quando o Brasil se descobria democracia. Fizemos a ponte da Bossa Nova para a música de protesto dos festivais e daí para o rock nacional anos 80. Na nossa casa tínhamos aspirações de classe ilustrada com as finanças de proletariado - quem cresceu nessa época conhece bem essa palavra, quem não cresceu pode ir ao Aurélio ou ao Google.  Então tínhamos que ser seletivos na discografia. Os discos - os chamados LPs - que não sabíamos ser long play - formavam então a nossa trilha sonora pessoal, para momentos de conquista ou mais frequentemente para momentos de dor-de-cotovelo. Não sei se essa pode ser a trilha sonora de uma geração mas certamente foi a trilha sonora de um grupo de jovens criados ali pelas imediações da Santos Dummont com Barão de Aracati, circa 1980. 

Foi justamente na entrada desse ano que a Simone gravou um show ao vivo no Canecão e gerou um belíssimo registro, incluindo pérolas como Jura Secreta – Só uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz; Começar de Novo – sem contar contigo, vai valer a pena, ter amanhecido; Sob Medida meu amigo, se ajeite comigo e de graças a Deus - numa mistura magistral com Orgulho, Vingança, e Matriz ou Filial, fechando o Lado A com Não Sonho Mais – foi um sonho medonho desses que as vezes a gente sonha. O lado B começava com Maria, Maria - que anos depois iria eleger uma prefeita de Fortaleza; seguindo para Cigarra e para a até então censurada Para Não Dizer que Não Falei das Flores - conhecida como Caminhando e Cantando e a primeira música que se aprendia no violão pois só tem dois acordes Mi menor e Ré maior; daí partia para Aquarela do Brasil e depois Eu To Voltando. Outro LP que marcou nosso juízo foi o Mel da Maria Bethânia, com a forte sensualidade dos Lábios de Mel, Cheiro de Amor, Amando Sobre os Jornais, e ainda Grito de Alerta do Gonzaguinha.  Ainda dessa geração tínhamos coisa do Vinícius - cantando com Toquinho e Maria Creusa - sobre a Tarde de Itapoã e aquele velho calção de banho. Tínhamos dias para vadiar nessa época. O disco incluia ainda o grande Eu Sei que vou te amarque fez uma geracao aprender a declamar “de tudo ao meu amor serei atento” e “que seja eterno enquanto dure”. Havia claro um disco do Chico Buarque - ele cantando aquele inesquecível Sinal Fechado do Paulinho da Viola Olá, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem? Fechando com o grande Cartola ensinando que a Vida é um Moinho e que As Rosas Não Falamsimplesmente exalam o perfume que roubam de ti.

Num lance mais eclético tínhamos ainda um disco do Sivuca chamado Cabelo de Milho, que abre com a sabedoria “Tanta água no coco e o riacho tão seco e só” e terminava na Feira de Mangaio. Esse disco tinha inclusive a participação do Fagner - que sempre parecia um primo distante sendo cearense - cantado Nos Tempos dos Quintais.


Assim se fecha essa primeira impressão imprecisa da memória musical dessa enorme saudade.  Esses poucos discos desses grandes artistas, alguns no seu auge de talento e em sintonia com o momento social e politico do Brasil, estavam amadurecendo aqueles ouvidos infantis para a explosão que seria o rock brasileiro. Que fica para o próximo blogpost.

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