domingo, 25 de junho de 2017

Corrupção à brasileira

As mentes brasileiras mais jovens e/ou suscetíveis ao merchandising político-midiático, como aquelas pertencentes aos recém-chegados à Terra Brasilis, podem imaginar que a corrupção por aqui nunca esteve pior. Ledo engano: a corrupção é um dado cultural por estas terras e sua constituição como característica social é, também,  não linear. Além disso, uma breve investigação sobre a etimologia da palavra e a práxis nacional são reveladoras de uma constatação  repetida diversas vezes: o Brasil não é para iniciantes.

A corrupção é uma categoria de comportamento ético, embora a palavra possa ser usada de outras formas, como no sentido bíblico do “corrupção da carne”, por exemplo. Um dos significados de corrupção é apodrecimento, o que pode levar alguém a pensar: de quantas formas e maneiras o comportamento social brasileiro está podre? Ou, de quantas maneiras corruptas (e, portanto, podres) alguém pode se comportar, na vida social? Isso porque a utilização do termo pode se dar das mais variadas formas. Um aluno é corrupto quando utiliza de meios ilícitos para obter respostas num exame; um motorista que avança o semáforo vermelho ou pára indevidamente numa vaga de idosos? Corrupto. Um pai que frequenta prostíbulos, traindo a confiança de sua esposa e traz doenças venéreas para o leito familiar? Corrupto, também. Como se diz por estas terras, “vender o voto” durante as eleições, fraudar licitações e utilizar recursos públicos para benefício particular? Todas essas e muitas outras são exemplos de atos provenientes de mentes apodrecidas.

Se bem vistas as coisas, existem sinais muito claros de que o problema do apodrecimento social brasileiro possui origens bastante complexas. Se as normas (sociais, jurídicas, religiosas e assim por diante)  são modelos de controle social que vinculam as pessoas que a elas se submetem (voluntariamente, no caso das sociais e religiosas, e imperativamente,  no caso das jurídicas), o vínculo social mediado por essas normas é violado todas as vezes em que um ou mais indivíduos rompem ou corrompem o conteúdo normativo previamente aceito ou estabelecido pela sociedade. Isso não quer dizer que todas as regras sociais são justas, ou que todas sejam legítimas, posto que, analisando factualmente a produção de normas de conduta, sabe-se que elas são construtos sociais, isto é, fenômenos oriundos da cultura, da força ou consenso de determinados agrupamentos humanos. As consequências pelo não cumprimento dessas normas variam conforme as regras de sanção e da eficácia social que o agrupamento humano deposita em cada norma: uma sociedade que preserva seus costumes e considera o seu modelo normativo útil e necessário tende a preservar com mais vigor a aplicação das sanções (sociais, políticas e jurídicas) no caso de corrupção.

As peculiaridades da corrupção brasileira estão profundamente ligadas a vários fatores, dentre os quais se pode destacar os seguintes: (1) a violação de direitos humanos básicos,  como saneamento, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, igualdade perante à lei e não-discriminação, isso sem ignorar o fato de que, nos meios de comunicação,  a população é constantemente ensinada que “os direitos humanos só protegem os criminosos”; (2) mais de 80% da população já nasce em condições de ilegalidade, sem poder de escolha, vez que não são proprietários das habitações ou terrenos que ocupam, não possuem certidão de nascimento, nem qualquer outro tipo de identificação – sendo esta uma das características mais marcantes do apodrecimento da cidadania brasileira; (3) a grande parte da população aceita e pratica a violência como uma forma de solução dos conflitos de interesses, com a fundamentada desculpa de que (4) o Estado é omisso em atuar para prevenir, solucionar e julgar os casos de choques entre os particulares, o que incentiva, de maneira indireta a (5) vingança privada como forma ilegal de justiça particular, em busca de segurança e defesa para a população; (6) a subserviência das classes intermediárias e subalternas ao poder dos grandes grupos econômicos que se beneficiam de um (7) sistema patrimonialista de capitalismo estatal  que beneficia apenas as grandes empresas controladas por burocratas e membros de partidos políticos e oligarquias regionais, que estrangulam os pequenos e médios empreendedores; (8) falta de controle efetivo, fiscalização e responsabilização pelos desvios de fundos públicos destinados às políticas públicas sociais elementares, além do (9) descaso das demais classes socioeconômicas com as 40 milhões de famílias  (não são pessoas, são famílias, formadas, geralmente, por mulheres e crianças) que vivem abaixo da linha da pobreza (menos de US$ 1,00 por dia), na mais absoluta miséria. Os itens 10 e sucessivos ficam por conta da imaginação do leitor.

Portanto, como se vê,  a corrupção não é um problema dos partidos políticos,  mas um mal social que se espalha em diversos setores e situações. Vem da família, se intensifica na escola, no trânsito e no trabalho. Corrupção é uma perspectiva de vida, vez que depende da obediência às regras e aos princípios elementares de uma boa convivência, decorrente do modelo sociocultural de cada civilização. Não sendo um privilégio brasileiro, encontra, aqui, as condições fáticas, jurídicas e políticas para se espalhar e infestar a sociedade como um parasita, um câncer ou coisa do gênero.

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