· A palavra (ou a expressão) encerra não somente conteúdo informativo, mas também emocional. Noutros termos,
transmite ideia e sentimento. Em inúmeras situações, prevalece o
conteúdo afetivo sobre o nocional,
relevando mais um estado de espírito
que simples comunicação de pensamento. Quando recorrente, pode
caracterizar a atitude de um povo, uma resposta evasiva diante de
determinada situação de desafio.
São bem nossas, características do
brasileiro, as expressões Sei lá! Sei não!, talvez intraduzíveis com
propriedade em outro idioma. Nós as escutamos com frequência no uso mais
coloquial e abusado da língua. Não fazem parte do linguajar polido e
formal, sendo por alguns apontadas como passíveis de censura, especialmente
quando empregadas no código escrito.
As expressões, nocionalmente, são
correspondentes à resposta mais frequente não sei, de uso na linguagem
educada e polida. Dependendo do contexto e da entoação do usuário,
dizem algo mais, porquanto denotam
estado de espírito que pode apontar,
entre outros sentimentos, desinteresse, enfado, desconhecimento,
descomprometimento com o assunto, desistência de falar e até desaforo.
Tom Jobim intitulou de Sei lá uma de
suas famosas canções; “A gente mal nasce e começa a morrer. Depois da
chegada vem sempre a partida, porque não há nada sem separação. Sei
lá!, sei lá! A vida é uma grande
ilusão”. Com o mesmo título compôs
Gabriel O Pensador: “Sei lá, tanta coisa eu tenho aqui pra te dizer...Tanta
coisa eu tenho em mim pra falar pra você”.
Dependendo do contexto, as duas
expressões se equivalem, porém ambas podem marcar reações bem
frequentes diante do quadro caótico da realidade tão cheia de incertezas
quanto ao futuro. O que será do país
mergulhado em tão grave crise? Um sei
lá pode dizer não me interessa, não me comprometa, o que sei eu? Um sei não talvez indique a mesma coisa, contudo é expressão mais desaforada,
que inclui dúvidas e interrogações sobre o futuro incerto. O que você
pensa do Brasil? Sei lá, viu? Você acha que tem saída a curto prazo: Honestamente,
sei não.
As considerações acima pertencem ao
nível da semântica e da estilística. O trágico é o que representam pelo
ponto de vista da cidadania. Nesse campo, não se justificam o sei lá e o sei
não, visto que não se pode ignorar,
nem permanecer indiferente à realidade
que nos circunda em diferentes esferas ou, o pior, limitar-se ao
deboche ou ao prazer mórbido do quanto pior, melhor.
É necessário refletirmos o Brasil, matutar-lhe a grave crise que atravessa, enfrentar problemas e
desafios a fim de encontrarmos soluções lúcidas e viáveis. Impõem-se a reflexão, o diálogo, a busca por saídas, o fazer a nossa parte. Discutir
com paixão, porém “sem perder a
doçura”, pontos de vista e propostas
constitui-se tarefa imprescindível aos que se sentem também responsáveis pelo
atual quadro e não querem omitir-se no exercício da cidadania.
Myrson Lima
O mestre da língua Portuguesa nos capturou pelas palavras. Sensacional o texto!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPior do que os que se utilizam do "sei lá" são os que ainda tentam justificar...
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