terça-feira, 1 de março de 2016

Sei lá! Sei não!

·        A palavra (ou a expressão) encerra não somente conteúdo informativo, mas também emocional. Noutros termos, transmite ideia e sentimento. Em inúmeras situações, prevalece o conteúdo afetivo sobre o nocional,
relevando mais um estado de espírito que simples comunicação de pensamento. Quando recorrente, pode caracterizar a atitude de um povo, uma resposta evasiva diante de determinada situação de desafio.

São bem nossas, características do brasileiro, as expressões Sei lá! Sei não!, talvez intraduzíveis com propriedade em outro idioma. Nós as escutamos com frequência no uso mais coloquial e abusado da língua. Não fazem parte do linguajar polido e formal, sendo por alguns apontadas como passíveis de censura, especialmente quando empregadas no código escrito.

As expressões, nocionalmente, são correspondentes à resposta mais frequente não sei, de uso na linguagem educada e polida. Dependendo do contexto e da entoação do usuário, dizem algo mais, porquanto denotam
estado de espírito que pode apontar, entre outros sentimentos, desinteresse, enfado, desconhecimento, descomprometimento com o assunto, desistência de falar e até desaforo.

Tom Jobim intitulou de Sei lá uma de suas famosas canções; “A gente mal nasce e começa a morrer. Depois da chegada vem sempre a partida, porque não há nada sem separação. Sei lá!, sei lá! A vida é uma grande
ilusão”. Com o mesmo título compôs Gabriel O Pensador: “Sei lá, tanta coisa eu tenho aqui pra te dizer...Tanta coisa eu tenho em mim pra falar pra você”.

Dependendo do contexto, as duas expressões se equivalem, porém ambas podem marcar reações bem frequentes diante do quadro caótico da realidade tão cheia de incertezas quanto ao futuro. O que será do país
mergulhado em tão grave crise? Um sei lá pode dizer não me interessa, não me comprometa, o que sei eu?  Um sei não talvez indique a mesma coisa, contudo é expressão mais desaforada, que inclui dúvidas e interrogações sobre o futuro incerto. O que você pensa do Brasil? Sei lá, viu? Você acha que tem saída a curto prazo: Honestamente, sei não.

As considerações acima pertencem ao nível da semântica e da estilística. O trágico é o que representam pelo ponto de vista da cidadania. Nesse campo, não se justificam o sei lá e o sei não, visto que não se pode ignorar,
nem permanecer indiferente à realidade que nos circunda em diferentes esferas ou, o pior, limitar-se ao deboche ou ao prazer mórbido do quanto pior, melhor.  É necessário refletirmos o Brasil, matutar-lhe a grave crise que atravessa, enfrentar problemas e desafios a fim de encontrarmos soluções lúcidas e viáveis.  Impõem-se a reflexão, o diálogo, a busca por saídas, o fazer a nossa parte. Discutir com paixão, porém “sem perder a
doçura”, pontos de vista e propostas constitui-se tarefa imprescindível aos que se sentem também responsáveis pelo atual quadro e não querem omitir-se no exercício da cidadania.


Myrson Lima

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