O serviço
público de saúde brasileiro é criticado diariamente. Os jornais e organizações
civis mostram cenas de pessoas atendidas de forma precária, macas no chão dos
hospitais ou mesmo pessoas com doenças graves como câncer que estão sem
atendimento. Certamente cenas e histórias comoventes aumentam a audiência
desses meios de comunicação. Há ilhas de excelência no setor público de saúde,
sempre menos televisionadas, mas, realmente, de forma geral, o brasileiro tem
um acesso à saúde que deixa a desejar. Por que isso ocorre? Duas questões
precisam ser discutidas: a impraticabilidade do SUS e a sua ineficiência.
Do ponto de
vista histórico, o Sistema Único de Saúde, criado pela Constituição de 1988, na
verdade, melhorou muito a assistência pública. Antes do SUS, a maioria das
pessoas que hoje são atendidas em macas precárias seria atendida em suas
próprias casas - em geral, também precárias - por vizinhos ou religiosos e, em
casos de doenças graves, morria sem ter sido vista por um médico, já que
custaria muito caro. Assegurar o direito à saúde a todos os residentes no
Brasil foi, portanto, uma medida bastante altruísta de legisladores
majoritariamente contrários ao período político anterior - a Ditadura Militar.
O sentimento anti-governo de 1964 a 1985 era difundido principalmente por
pessoas simpatizantes de ideias socialistas, como as implantadas na União Soviética
(primeiro serviço público nacional de saúde do mundo) e em Cuba.
"A saúde é
direito de todos e dever do Estado", diz a Constituição brasileira. O
dever com a saúde individual, segundo a Constituição brasileira, é do Estado,
não do indivíduo. É "outro" - o Estado - quem tem por dever zelar
pela saúde de cada brasileiro. Do ponto de vista social e econômico, os
"direitos" são divididos em dois grupos: os onerosos e os não
onerosos. O direito à vida, à livre circulação e à presunção de inocência são
regras para a boa convivência que podem gerar punição em caso de não cumprimento,
mas não trarão ônus (custo), em caso de cumprimento. Os direitos onerosos, por
outro lado, obrigam a contrapartida de alguém (do Estado ou de empresas, em
geral) para que sejam possíveis. Dar "saúde" ou "educação"
implica em custo. O dinheiro do Estado provém de impostos, portanto, tais
direitos implicam em um ônus para os pagadores de impostos. Pagar impostos
significa financiar o governo ao custo de diminuir a própria riqueza. Para cada
indivíduo financiar a própria saúde, portanto, fica mais difícil a cada aumento
de impostos. A carga tributária brasileira, desde a Constituição, subiu de
cerca de 20% para os atuais 37% de toda a riqueza produzida no país (PIB). Isso
tornou, consequentemente, mais pessoas incapazes de financiar a própria saúde e
os tornou dependentes do Estado nesse quesito.
Na ponta do
lápis
Do ponto de
vista econômico, os gastos em saúde no Brasil, em proporção do PIB, são os
mesmos 7,6% do PIB que a Inglaterra gasta. Foi o sistema inglês que inspirou o
SUS brasileiro. As semelhanças param por aí. No Brasil, 42% disso são gastos
pelo Estado, enquanto 58% são gastos privados. Na Inglaterra, por outro lado,
82% são gastos públicos. Mais importante que isso, é que, por pessoa, o governo
inglês gasta muito mais. O PIB dos dois países é de cerca de 2 trilhões de
dólares, mas no Brasil há 200 milhões de pessoas, enquanto a Inglaterra abriga
50 milhões. Por pessoa, portanto, a Inglaterra gasta cerca de oito vezes mais
que o Brasil. É importante entender que, mesmo que não houvesse corrupção ou
incompetência na gestão de saúde pública, hoje, para se ter o mesmo gasto por
pessoa que a Inglaterra, o Estado brasileiro teria que aumentar os gastos em
saúde pública de cerca de 200 bilhões para 1,6 trilhões de reais. Mais que o orçamento inteiro do governo federal. Matematicamente, portanto, é impossível.
A Constituição criou, portanto, diversos bandidos desde que foi aprovada: todos
os presidentes, governadores, prefeitos e secretários de saúde descumprem a
Constituição no quesito saúde. E, pior, não seria possível cumpri-la. Quem
infringe a Constituição é o que? O SUS, hoje, é, portanto, impraticável.
E se houvesse
tantos recursos e os mesmos não fossem desviados pela corrupção, o SUS seria o
sistema mais eficaz?
A resposta,
mais uma vez, parece ser não. Ou, poderia, mas seria muito mais cara. A
administração pública não é mais eficaz que a privada, o que a torna quase
sempre pior e mais cara. E isso tem todo sentido. O que ocorre com o consumo de
água em um prédio de apartamentos? As pessoas economizam mais água quando a
cobrança vem embutida na conta do condomínio ou quando há uma conta individual
por apartamento? A cobrança coletiva traz uma sensação de ser de graça, o que
desincentiva o comedimento, de modo que a cobrança individual quase sempre
resulta em queda de consumo.
Demanda
infinita
Uma das
primeiras experiências profissionais deste que vos escreve foi como médico de
família de um município de 20.000 habitantes que contava com cinco médicos em
cinco postos de saúde. Estes cinco médicos decidiram contabilizar o número de
consultas médicas desnecessárias. Como realmente aparentava, o resultado de
dois meses de coleta foi cerca de 50% de consultas desnecessárias. Havia de
tudo, pessoas que agendavam consulta para "conhecer o doutor novo", havia
consulta para substituir papeis de solicitação de exames, consultas de retorno
antes do solicitado, consultas burocráticas para renovar receitas de
medicamentos, gripes simples no primeiro dia de doença, entre outras. Este município pobre
do interior do Ceará, um estado pobre, estava desperdiçando 50% das consultas
médicas. Como o salário de
cada um era cerca de 8000 reais, em dinheiro, esse desperdício significava
240.000 reais por ano. Por que isso acontecia? A resposta parece estar na
economia: é o fenômeno de demanda infinita. É natural para o ser humano
valorizar produtos escassos. O ouro, por exemplo, é valorizado, desde o início
da civilização, por ser durável e raro. Quanto mais raro, mais valorizado. Se
as consultas fossem pagas, a demanda por consultas seria uma. Quanto mais cara,
menor a demanda. De modo oposto, quanto mais barata for a consulta, maior será
a demanda. Uma consulta gratuita possui, então, demanda infinita. Pela lógica
da economia, portanto, os sistemas de saúde gratuitos, nunca serão suficientes,
pois a demanda sempre será maior que a oferta de serviços. Isso ocorre mesmo em
países desenvolvidos. A demora por diversos procedimentos médicos é maior na
Inglaterra e no Canadá do que nos Estados Unidos, por exemplo.
Há diversos exemplos
na saúde pública de desperdícios de recursos. Mesmo com um orçamento
insuficiente, há muito desperdício. Por que isso ocorre? Porque quem paga a
conta não é quem desperdiça, mas terceiros que nada têm a ver com isso. O
pagador de impostos não participa da decisão de "quantas seringas de 60mL
serão compradas para um serviço de saúde que, por algum motivo, não usa
seringas de 60mL". Se fosse numa clínica privada, em geral, nenhuma
seringa seria comprada, mas no serviço público, muitas vezes, há compra de
várias. Elas perdem a validade e vão para o lixo. Quem fica com o prejuízo é o
administrador da clínica pública? Não, é o pagador de imposto, que nem sabe que
essas seringas são compradas.
O SUS, como
todo sistema público, é ineficaz.
As licitações por
menor preço levam muitas vezes à compra de produtos de qualidade ruim. Muitos
equipamentos permanecem ociosos por meses por algum motivo (falta de
contratação de quem os instalará ou utilizará, por exemplo). Em resumo: O SUS,
como todo sistema público, é ineficaz. O mesmo recurso, se administrado por uma
empresa, geraria mais oferta de saúde do que a oferta gerada pelo poder
público.
Atendendo o
público pediátrico num serviço público, este que vos escreve já atendeu
diversas vezes crianças com dentes em mau estado de conservação. Até hoje,
todos os pais (todos mesmo) ao serem informados sobre isso, responderam,
justificando-se, que estão com dificuldade em agendar um dentista pelo SUS. O
que é mais eficaz, escovar os dentes ou esperar o dentista? Talvez em 1950,
muitas pessoas humildes desconhecessem a importância da higiene bucal. Hoje, no
entanto, é de conhecimento universal que escovar os dentes protege os mesmos
contra problemas, e é assunto de disciplina escolar em todas as escolas
públicas. A reação esperada para o diagnóstico de cáries no dente deveria ser
"puxa, vou escovar mais meus dentes (ou os do meu filho)", não
"estou esperando pelo dentista". Esperar pelo dentista parece ser o
efeito de a saúde ser um "dever do Estado" ao invés de "dever próprio
de cada um". O SUS é, portanto, uma terceirização da responsabilidade de
se cuidar. Claro que não deu nem nunca dará certo.
A solução
O governo
obriga a pessoa a pagar pelo convênio de saúde (o SUS, através de impostos),
pois acredita que, de outra forma, as pessoas não pagariam por seus próprios
convênios médicos. Claro que há pessoas muito pobres no Brasil que não poderiam
arcar com suas próprias despesas de saúde. Para essas pessoas poderia ser
oferecido pelo governo o pagamento mensal de um plano de saúde. Seria um
subsídio para quem precisa. O restante teria a liberdade de gastar seu dinheiro
a mais (já que pagaria menos impostos) da maneira que lhe conviesse, seja
pagando um seguro de saúde, seja investindo para gerar riquezas.
A ineficiência
é inerente ao setor público. Países desenvolvidos possuem setores públicos mais
organizados, mas, mesmo lá, a iniciativa privada é mais produtiva (faz mais com
menos). Cabe à população optar por ser responsável por sua saúde pagando menos,
ou terceirizar isso para o governo, pagando mais.
Márcio Salmito
Quem tem interesse de apoiar esse sistema público ineficaz? O usuário ou o vendedor de insumos?
ResponderExcluirSensacional, Márcio.
ResponderExcluirRealista, prático, resolutivo, racional.
Uma pena que no Brasil impera soberana uma mentalidade estatizante e coletivista. Mas vamos lá, tudo começa com algumas pessoas pensando diferente!
Emmanuel Magalhães
Parabéns pelo texto bem construído!
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