quarta-feira, 13 de abril de 2016

O País da Vorfreude


As palavras não são supérfluas. Emplacam somente se o conceito que carregam for culturalmente relevante a ponto de exigir tais nobres condecorações. Eu me contorço mais com uma palavra incorretamente empregada que com o uso de um vocábulo fraco em detrimento de outro mais específico. “Bicho” e “coisa” cumprem lá o seu papel quando o vocabulário não chega. Andamos muito confusos com termos como golpe, elite e todas as suas derivações, mas não, não entrarei nesse mérito. A palavra que me ocupa neste texto é alemã: Vorfreude (pronuncia-se “for-froi-de”). Soa estranho, mas significa alegria antecipada ao imaginar futuros prazeres. Em uma breve pesquisa, encontrei candidatos a equivalente em Português: expectativa, antecipação. Com todo respeito ao empenho dos tradutores, nenhuma capta o real sentido do termo. Um dicionário de Português de Portugal até sugeriu antegosto como tradução, mas antegosto mais parece desgosto. Não, não funciona. Os anglo-americanos logo tratam de incorporar a seus dicionários palavras estrangeiras sem correspondente em Inglês. Gostaria de incluir Vorfreude no nosso. Troco por saudade, se inevitável. A permuta é vantajosa, argumentaria até com Fernando Pessoa... Ao invés de mirar nostalgicamente o passado, olhemos com alegria para o futuro! Vorfreude representa um salto evolutivo dos alemães, talvez até de outros povos. Acredito que diversas culturas já tenham assimilado o conceito. Vejam bem, não se trata da capacidade de se sacrificar para obter uma recompensa futura. A questão é começar a se alegrar hoje com algo que ainda está por vir, numa espécie de alegria antecipada. Júbilo dessa natureza requer certa previsibilidade, garantia de que coisas boas virão. Fácil supor que Vorfreude tenha surgido, no curso de um tenebroso inverno, como um entusiasmo crescente com a primavera que, indubitavelmente, viria. Na maior parte do Brasil, não contamos com a previsibilidade das estações do ano, nem mesmo da economia ou da política. A nossa expectativa do futuro é temerária, sofrida, depositada em santos, pendurada à controversa promessa de chuva. Ainda assim, experimentamos Vorfreude. Qual é o brasileiro que não se alegra de antemão com a perspectiva de uma esperada viagem? Ou com uma comemoração que se aproxima? Para muitos alemães, a Vorfreude supera em intensidade até a própria Freude (alegria)! Objetivo alcançado, projeto novo. Uma alegria tão intensa pelo que ainda se está a edificar energiza. Pode nutrir toda sorte de empenhos e investimentos em um estado de esperança produtiva. Advogo um lugar para Vorfreude em nossa cultura, para que a ela nos atentemos. Regozijar-se com a perspectiva dos acontecimentos pode-nos tornar genuinamente produtivos. A Stefan Zweig, austríaco, devemos o epíteto “País do Futuro”. Pensando em Alemão, o escritor – desconfio – sentiu Vorfreude pelo nosso país. Nós não captamos. Entendemos o futuro como algo distante, que nunca se alcança... Talvez só nos alegremos com o porvir, se nos empenharmos em construí-lo a contento. O que estamos esperando?

Lia Sanders

4 comentários :

  1. Lia, seus textos, como sempre, são um primor. Além de agradável de ler, traz muito conteúdo. Adorei sua ponderação sobre o contentamento antecipado! Eu lembrei dos mercados financeiros. Acho que eles são mais sabidos que nós. O mercado financeiro, nesse momento está em vorfreude com nossa política. Os investidores estão comprando ações e vendendo dólar, com a expectativa de a Dilma cair. O mercado financeiro é tão perspicaz que, além do vorfreude, possui o vortraurige, e se antecipam com as expectativas negativas. Enfim, o brasileiro não possui o sentimento de se alegrar antecipadamente, mas o mercado financeiro do brasil tem. Não sei se isso é bom ou ruim rsrsrsrsrs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Márcio! Juro que não estava pensando nos investidores kkkkkk ... Talvez aí role mais especulação do que Vorfreude, não? Gostei do Vortraurige! ;-)

      Excluir
  2. Bem aquilo que nós conversamos. Contextualização impecável numa fluidez de ideias digna do Machado. Não esperava menos de você. Kongratulationen an deinen guten Text !

    ResponderExcluir