quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Por que as ideias não mudam, mas sim seus defensores?






Duas frases soltas:

Vamos propor reformas que alteram permanentemente a taxa de crescimento de nossas despesas primárias. Queremos discutir com o Congresso a fixação de um limite global para o crescimento do gasto primário do governo para dar mais previsibilidade à política fiscal e melhorar a qualidade das ações de governo".

Nos cabe enfrentar desafio maior para política fiscal, que é a sustentabilidade da Previdência Social em um contexto de envelhecimento da população (...) Mantidas as regras atuais, o percentual tende a aumentar exponencialmente. (...)

Esta frase poderia ter sido dita pelo atual presidente da República, Michel Temer, mas foi dita pela ex-presidente da República, Dilma Rousseff, seis meses antes de ser deposta do cargo.

Em apenas seis meses, os discursos se mantem, as discussões se mantém, mas inverteram-se os jogadores. Se seis meses antes, o governo do PT defendia controle dos gastos, e a oposição defendia aumento dos gastos, hoje, o governo continua a defender controle dos gastos, e a oposição continua defendendo aumento dos gastos, mas os políticos que eram governo há seis meses hoje são oposição e vice-versa. Quão coerente é ver os senadores do PT tentarem impedir uma lei que limita o aumento das despesas do governo federal se, há menos de um ano, isso houvera sido uma ideia deles? Quão coerente é ver o PSDB defendê-lo se, há seis meses, eram veementemente contra?

Na verdade, esse jogo de farsas político sempre existiu desde que surgiu a política. O político, o governante, sempre busca o que for mais popular, ou, caso não seja possível, sempre irá encontrar argumentos para justificar suas restrições. O que inquieta, no entanto, é a contaminação da população por esse jogo sujo. Não há sentido num ex-defendor da austeridade da presidenta de há seis meses hoje estar sendo contra a austeridade do presidento. Por que isso ocorre?

Uma possível resposta para isso seja o método de tomada de decisões ou de obtenções das verdades. Em outras palavras, “de que maneira um brasileiro se informa e decide sobre suas opiniões”. Hoje, claramente, há dois grupos antagônicos em nosso país, os que continuam defendendo o governo deposto e os que o atacam. O grupo dos que defendem o governo deposto se tornou um grupo pequeno, formado em grande parte por jovens de pensamento esquerdista das áreas humanas das faculdades. De que modo um estudante de filosofia encontra as respostas às suas perguntas? De que modo a psicologia encontra a resposta às suas perguntas? Diante de uma questão, por exemplo, “ovo de galinha aumenta o colesterol do sangue?”, de que modo será comprovada a tese do “sim” ou do “não”? A ciência moderna desenvolveu ferramentas interessantes para se buscar essas questões, aliando a experimentação e a reprodutibilidade. Nas ciências humanas, as variáveis de estudo são no entanto bem menos exatas, como confirmar se “o sonho tão vívido com um ser da mitologia grega tem algo a ver com o trauma psicológico de um estupro 10 anos antes?”. Nas ciências humanas, mais ainda, questiona-se se há verdades. Quando Freud disse que um sonho poderia ter um significado, ele acabou com a verdade. A verdade deixou de existir. Hoje não se busca “verdades”, hoje se busca “construção de ideias”. O esquerdista que hoje critica a austeridade da lei do controle de gastos não consegue ver incoerência por defende-la seis meses antes, pois, há seis meses, estávamos “em outro momento político”. Simples assim. As verdades, para uns, são moldáveis mais ou menos facilmente. “O objetivo da Dilma com a austeridade era ajudar os pobres, enquanto que a austeridade deste governo golpista quer aumentar os lucros dos banqueiros”.

Diante de questões aparentemente simples, como “o governo tem que gastar aquilo que arrecada”, a população encontra argumentos e discussões os mais variados. Mas não há lógica, não há um raciocínio cartesiano nestas confabulações. Às vezes, há verdades! Às vezes, discordar das verdades é simplesmente estar errado! O político não se preocupa com isso, apenas quer votos, mas nós, o povo, não podemos cair no discurso maniqueísta de um político. Para nós, o povo, há verdades! Nós não mudamos de lado, seremos sempre povo, seja quem estiver no governo. Não podemos cair nesses jogos.

Discurso de que o governo não tem dinheiro será sempre o discurso do governo. Seja o governo militar, seja FHC, Lula ou Michel Temer. Discurso de que dá pra fazer mais sempre será o discurso da oposição, seja ela quem for. No Império já se dizia “Nada mais parecido com um conservador do que um liberal no poder, e nada mais parecido com um liberal do que um conservador no poder.”


A cobra sempre morde o rabo.

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