Somos uma nação de formação histórica católica que, através da
bestialidade contra as crenças de povos não europeus, aniquilou culturas e
religiões indígenas e africanas, com o objetivo de impor a esses povos os
hábitos e costumes europeus. No tocante às religiões de matriz africana,
encontramos ainda hoje uma crescente intolerância não mais ordenada pelo
Estado, mas por adeptos de religiões cristãs.
Durante a segunda metade do século XIX, o catolicismo no Brasil
passou por um processo de expansão e consolidação, associando-se de forma
rígida à cultura e identidade brasileira. A relação que o brasileiro tem com a
religião é um reflexo das nossas contradições como sociedade, onde há um
gigantesco abismo entre o que é proferido e o que é executado, pois a religiosidade
brasileira é plural, diversa, ampla, sincrética, heterogênea e plástica.
Nas últimas décadas, verificamos no Brasil um intenso crescimento
do número de evangélicos à custa de um lento, mas constante, declínio católico.
Segundo o instituto Datafolha, o número chega a 29%, sete pontos percentuais a
mais do que o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), registrou. A tendência de expansão desse segmento religioso reflete um
crescimento da influência dos evangélicos nas transformações culturais e
políticas do Brasil recente, como observamos nas ações de parlamentares
evangélicos em relação aos direitos das mulheres e de LGBTs. Atualmente, no
Congresso, há a maior bancada evangélica da história, com 75 deputados federais
e três senadores evangélicos. Vimos recentemente, durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma, uma coesão da
bancada evangélica que, através de discursos ignóbeis e pífios em muitos
momentos dedicados a “Deus”, apoiaram maciçamente o impedimento. Esse mesmo
grupo político-religioso se alinha à dita direita do espectro político para
defender pautas conservadoras e preconceituosas (homofobia, machismo e racismo)
no campo dos costumes, políticas sociais e econômicas.
Um país secular ou laico é um conceito onde o poder do Estado é
oficialmente neutro no campo religioso, não apoiando ou discriminando nenhuma
religião ou a ausência dela, opção que representa atualmente, segundo pesquisa
Datafolha realizada em dezembro de 2016, 1% da população brasileira.
Um Estado laico não permite a interferência de correntes
religiosas em matérias sociopolíticas e culturais, o que é o oposto ao que se
observa atualmente no Brasil. Nos últimos anos, a bancada evangélica vem
apresentando projetos extremamente retrógrados, como o projeto de lei do
aborto, que cria empecilhos para o direito constitucional das mulheres vítimas
de violência sexual realizarem aborto na rede pública de saúde; ou o projeto de
lei da redução da maioridade penal, aprovado na Câmara e que aguarda análise do
Senado, que teve a tolice de usar passagens bíblicas para justificar a redução.
Outra aberração apresentada é o Estatuto da Família que determina que família é
constituída apenas pela união entre homem e mulher.
Outro fato que causa estranheza no seu antagonismo ao Estado laico
é o uso de símbolos religiosos, exclusivamente cristãos, em repartições
públicas. Esses setores são um bem público que pertencem a todos os cidadãos, o
que caracteriza no mínimo um desrespeito ao princípio da isonomia.
Por que usar apenas uma cruz cristã? Poderíamos adicionar um orixá do
Candomblé, ou a lua crescente com estrela do Islamismo, ou, talvez, um
pentagrama Wicca, afinal os símbolos de todas religiões têm para os seus
seguidores o mesmo valor e a mesma importância que tem a cruz para os Cristãos.
Fomos cunhados como sociedade no molde pequeno-burguês cristão. A
Igreja católica foi a matrix que construiu os valores, a moral, e a
ética do corpo social. Felizmente, nas últimas décadas, tivemos importantes
avanços na sociedade brasileira que começaram a partir do movimento feminista
que surgiu no Brasil nos anos 70, com decisivas contribuições no processo de
democratização do Estado, além de facultar à mulher autonomia sobre seu corpo
pelo exercício prazeroso da sexualidade, podendo decidir sobre quando ter ou
não filhos. Em contrapartida, nos últimos anos, estamos experimentando uma
nostálgica tendência “retrô” por períodos medievais, que nos suscita uma grande
apreensão em relação ao que está por vir. Há atualmente no Brasil um forte
grupo político-religioso, com objetivos e propostas bem definidas, que a cada
dia ganha mais adeptos. O fenômeno é fruto de uma gigantesca crise econômica e
política que o País atravessa e que a cada eleição adquire mais poder político.
Na discussão pública não pode haver pensamento religioso, assim
como opiniões e visões pessoais não podem servir de parâmetro para propósitos
que envolvam toda uma sociedade. Tenho uma visão muito particular sobre
religião, o que envolve o fato de eu ser ateu desde os dez anos. Aprendi desde
cedo que religião não define caráter, valores ou dignidade e que não existe
religião boa, mas sim pessoas boas que às vezes têm religião.
Particularmente, não me incomodo com políticos com crenças
religiosas, porém sinto repugnância em saber que minha vida e minhas escolhas
podem ser influenciadas direta ou indiretamente por leis baseadas em
“princípios” religiosos. Permitir algo dessa natureza seria um retrocesso
cultural, político e intelectual sem precedentes na história do País.
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