Parece, à primeira vista, ingenuidade ou babaquice matutar sobre a
felicidade. Pode constituir-se tema mais apropriado a livro de autoajuda, cheio
de fórmulas mágicas, estilo “Como evitar preocupações e começar a viver”,
“Aprenda inglês, dormindo”, “Como ser bem sucedido no emprego, sem fazer nada,
somente assobiando e comendo pimentão”. Há mesmo pessoas sisudas e
compenetradas, que dizem com toda convicção que a felicidade não existe; o que
há são momentos felizes, como ler um bom livro, comer tapioca molhada em água
de coco, banhar-se nas piscininhas na maré secante, tomar caldo de cana na
Praça do Ferreira, caminhar de manhã cedo pela Beira-Mar. Outras, como o poeta
Vicente de Carvalho em Velho Tema, reconhecem que a felicidade
existe, “mas nós não a alcançamos, porque está sempre
apenas onde a pomos e nunca a pomos
onde nós estamos”.
Tom Jobim, não lhe nega a existência, contudo assegura
que passa rápido: é “como a pluma, que o vento vai levando pelo ar, voa
tão leve, mas tem a vida breve”. Daniel Kaminsky, personagem de “Hereges”,
de Leonardo Padura, (Boitempo, 2015) diz para o filho Elías: “A felicidade é
um estágio frágil, às vezes, instantâneo, uma faísca. Mas se você tiver sorte,
pode ser duradouro”.
A felicidade parece, mesmo, ter caráter aleatório. Há
pessoas que nascem, como se diz, de bunda para a lua, ou têm um anjo da guarda
forte, ou parecem protegidas por uma boa estrela. Dependeria da dinâmica do
céu, do signo zodiacal, da combinação de astros.
Também se lhe realça o caráter subjetivo: para o
doente, felicidade é ter saúde; gozar de uma boa companhia para um solitário;
arranjar novo emprego para quem sofreu demissão com a crise. Daí se conclui não
poder haver mesmo receita universal para se ser feliz.
O direito a ser feliz nem sempre é reconhecido nas leis de uma nação.
No Congresso Nacional, há até uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC
nº 19), de 2010, do Senador Cristovam Buarque que altera o artigo 6º da Carta
Magna, para incluí-lo mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade
de adequadas condições de exercício desse direito.
Se procurarmos conceituar a felicidade, a matéria fica crespa. Vamos
deparar com várias teorias filosóficas e religiosas que ora a consideram uma
utopia, ora a põem no além, ora a erigem como valor supremo de suas verdades,
ora a situam como algo alienante e burguês. Sobre o assunto, foi publicado
excelente livro traduzido com o título “Sobre a Felicidade, uma viagem
filosófica” de Frédéric Lenoir (Objetiva, 2016). Lá se lê que Flaubert encara o
tema com ironia ao apontar três condições para ser feliz: ser bobo, egoísta e
ter boa saúde. Ser bobo: a ignorância é meia felicidade? O ter boa saúde, no
entanto, para Shopenhauer, é visto como algo fundamental para haver felicidade:
“um mendigo com saúde é mais feliz que um rei doente”.
Os Antigos, como Aristóteles e Epicuro, situaram a felicidade como núcleo
central da filosofia e a associaram ao prazer, porém o primeiro acentua a busca
de prazer com o uso de razão, que garantirá a supremacia dos valores
espirituais sobre os corporais; o segundo condiciona a felicidade à satisfação
dos desejos naturais e necessários, como comer, beber, vestir-se, ter um
abrigo. Os outros prazeres poderão existir, mas deverão ser usados com
sobriedade e prudência. Tal associação entre felicidade e prazer continua ainda
reconhecida até os dias de hoje. Acrescenta-se também, modernamente, que a
aptidão para a felicidade é condicionada em grande parte, além do patrimônio
genético, pelo equilíbrio dos neurotransmissores do cérebro e pela presença dos
hormônios produzidos pelas glândulas endócrinas.
Afinal, somos ou não felizes, é a pergunta. Noutras palavras, estamos
satisfeitos com a vida que levamos? Achamos sentido naquilo que vivemos e
fazemos? Apesar de a vida alternar momentos prazerosos e fases de sofrimento,
um quadro estável de satisfação com nós mesmos, com os outros e com aquilo que
nos cerca parece nos levar a concluir que uma felicidade relativa é possível,
embora imperfeita, porquanto humana. Para muitos filósofos, como Kant, e para
numerosas religiões, a felicidade plena, profunda e estável somente a
encontraremos no além, após a morte.
Considere-se também que esse bem-estar subjetivo depende enormemente do
bem-estar coletivo. Como se pode ser feliz em um país mergulhado em profunda
crise de desemprego, em grave crise ética, sem garantir à população o básico no
que diz respeito à saúde e à educação e à cidadania?
O Brasil, segundo pesquisa do Instituto Gallup feita entre setembro e
dezembro de 2015, ficou abaixo da média mundial de felicidade. Enquanto outras
nações apresentam o índice de felicidade em torno de 56%, o nosso fixou-se na
casa dos 54%
Não basta procurar vagamente a felicidade. Devemos sempre desejá-la e
construí-la em nosso dia a dia, assumindo plenamente o momento presente,
aceitando a vida, como ela é, e procurando descobrir o que nos traz alegria e o
que nos provoca tristeza. O importante, nas fases mais adversas que se
apresentam, é conscientizar-se de que ser feliz depende mais de nós, do que do
exterior. E nunca perder a esperança, pois às vezes a felicidade está bem mais
perto do que imaginamos, como nos alerta Quintana, o poeta:
“Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!”
Comungo com vc no seu ultimo parágrafo também abraçando Quintana : covém prestar atenção à ponta do nosso nariz... A felicidade pode não residir tão longe...
ResponderExcluirAbraços
Bosco