domingo, 11 de setembro de 2016

Nossa jornada ideal(izada)


A vida muitas vezes é comparada a uma jornada, ou a uma série de jornadas. Dizem alguns sábios que mais vale desfrutar a jornada que chegar ao destino, e que (quase) todo destino é provisório.  São muitas as incertezas a serem desfrutadas pelos viajantes da vida, pelo menos por aqueles que se dão ao trabalho de refletir sobre o rumo que tomam. Dadas algumas opções, pergunta-se: qual caminho seguir?  O poeta espanhol Antônio Machado adverte: “caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar. ”
É pela experiência que se pode verificar as escolhas e (quem sabe) corrigir a rota. É claro que algumas trilhas são evitadas e outras, preferidas. Porque são conhecidas, por causa da experiência mesmo, a própria e a de outros. No entanto, tal qual o rio de Heráclito, nenhum caminho é igual ao outro. Tempos, contextos e pessoas mudam, mantendo um nível maior ou menor de consistência e coerência. O que deu certo ontem pode não prestar hoje.
Nem sempre se leva em conta devidamente a experiência e a realidade nos “planos de viagem” de um indivíduo, encontrando-se com frequência um fenômeno psicológico que acompanha o ser humano desde o berço: a idealização. Presente na admiração da criança pelos pais, na paixão romântica e no fanatismo ideológico, político e religioso, a idealização é necessária em certo grau para o bom desenvolvimento e funcionamento mental. Tem a característica de denotar uma avaliação extremada sobre algo ou alguém, atribuindo-lhe perfeição e onipotência. Essa visão fantasiosa pode eventualmente colocar o indivíduo em perigo, de maneira semelhante ao viajante que, iludido por uma miragem, ignora a ameaça que jaz à frente. Além disso, trata-se de uma faca de dois gumes, pois a decepção e o desprezo são diretamente proporcionais à idealização.
A época das antigas navegações era recheada de lugares fantásticos, idealizados pelos mercadores, aventureiros e poetas. Navegadores acreditavam que encontrariam locais maravilhosos, mágicos até, onde superabundavam recursos e belezas.  A cartografia europeia da Idade Média inclusive trazia ilhas no Atlântico consideradas lendárias, que até sumiam de um lugar e apareciam em outro. É o caso de Hy Brazil (também chamada O’Brazil ou Hy Breazail), a “Ilha da Bem-Aventurança” (do celta “bress”, que deu origem ao vocábulo inglês “to bless” – “abençoar”), que teria sido descoberta por São Brandão e ficaria em algum lugar ao oeste da Irlanda. Algumas pessoas tinham a ilha como um lugar amaldiçoado, que provocaria uma morte lenta em quem o avistasse. Uma hipótese é que o nome do país “Brasil” teria vindo daí, e não do desmatado pau-brasil (mesmo o vermelho do pau-brasil estaria associado a cor de “brasa”, vocábulo que viria de “BRZL”, significando “ferro” em línguas semíticas como o fenício – e o curioso é que o ferro é o minério mais extraído no Brasil). É certo que, para alguns, essas terras foram e têm sido muito “abençoadas”; para outros, nem tanto...
A história do nosso país, desde o “descobrimento”, tem sido marcada pela cultura da exploração idealizada. Como um paraíso a fornecer mais e mais bonanças a seus exploradores (aí não se encontram só políticos, banqueiros ou empresários, esclareça-se; o “cidadão comum” também pode estar nesse grupo). Porém os recursos e o dinheiro não são infinitos. Os governos são passageiros, apesar de seus efeitos se estenderem por tempo indeterminado. Podemos nos considerar, como indivíduos e como nação, em uma jornada na qual temos de fazer escolhas, e é importante pensarmos sobre elas, evitando as armadilhas da idealização, da ilusão e do extremismo. Para isso, precisamos de conhecimento e relacionamento – que pressupõe uma educação viva, construída e reelaborada em casa, na escola e nas diversas experiências cotidianas. Devemos manter isso em mente como um ideal de verdade, com metas e destinos a serem alcançados, e não como frouxa idealização. Nós temos capitães, mas também temos influência na viagem. Sabendo que nosso caminho é sujeito a falhas e incertezas sim, pois essa navegação é necessária, mas não é precisa.

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