A vida muitas
vezes é comparada a uma jornada, ou a uma série de jornadas. Dizem alguns
sábios que mais vale desfrutar a jornada que chegar ao destino, e que (quase)
todo destino é provisório. São muitas as incertezas a serem desfrutadas
pelos viajantes da vida, pelo menos por aqueles que se dão ao trabalho de
refletir sobre o rumo que tomam. Dadas algumas opções, pergunta-se: qual
caminho seguir? O poeta espanhol Antônio Machado adverte: “caminhante,
não há caminho, se faz caminho ao andar. ”
É pela
experiência que se pode verificar as escolhas e (quem sabe) corrigir a rota. É
claro que algumas trilhas são evitadas e outras, preferidas. Porque são
conhecidas, por causa da experiência mesmo, a própria e a de outros. No
entanto, tal qual o rio de Heráclito, nenhum caminho é igual ao outro. Tempos,
contextos e pessoas mudam, mantendo um nível maior ou menor de consistência e
coerência. O que deu certo ontem pode não prestar hoje.
Nem sempre se
leva em conta devidamente a experiência e a realidade nos “planos de viagem” de
um indivíduo, encontrando-se com frequência um fenômeno psicológico que
acompanha o ser humano desde o berço: a idealização. Presente na admiração da
criança pelos pais, na paixão romântica e no fanatismo ideológico, político e
religioso, a idealização é necessária em certo grau para o bom desenvolvimento
e funcionamento mental. Tem a característica de denotar uma avaliação extremada
sobre algo ou alguém, atribuindo-lhe perfeição e onipotência. Essa visão fantasiosa
pode eventualmente colocar o indivíduo em perigo, de maneira semelhante ao
viajante que, iludido por uma miragem, ignora a ameaça que jaz à frente. Além
disso, trata-se de uma faca de dois gumes, pois a decepção e o desprezo são
diretamente proporcionais à idealização.
A época das
antigas navegações era recheada de lugares fantásticos, idealizados pelos
mercadores, aventureiros e poetas. Navegadores acreditavam que encontrariam
locais maravilhosos, mágicos até, onde superabundavam recursos e belezas.
A cartografia europeia da Idade Média inclusive trazia ilhas no Atlântico
consideradas lendárias, que até sumiam de um lugar e apareciam em outro. É o
caso de Hy Brazil (também chamada O’Brazil ou Hy Breazail), a “Ilha da
Bem-Aventurança” (do celta “bress”, que deu origem ao vocábulo inglês “to
bless” – “abençoar”), que teria sido descoberta por São Brandão e ficaria em
algum lugar ao oeste da Irlanda. Algumas pessoas tinham a ilha como um lugar
amaldiçoado, que provocaria uma morte lenta em quem o avistasse. Uma hipótese é
que o nome do país “Brasil” teria vindo daí, e não do desmatado pau-brasil
(mesmo o vermelho do pau-brasil estaria associado a cor de “brasa”, vocábulo
que viria de “BRZL”, significando “ferro” em línguas semíticas como o fenício –
e o curioso é que o ferro é o minério mais extraído no Brasil). É certo que,
para alguns, essas terras foram e têm sido muito “abençoadas”; para outros, nem
tanto...
A história do
nosso país, desde o “descobrimento”, tem sido marcada pela cultura da
exploração idealizada. Como um paraíso a fornecer mais e mais bonanças a seus
exploradores (aí não se encontram só políticos, banqueiros ou empresários,
esclareça-se; o “cidadão comum” também pode estar nesse grupo). Porém os
recursos e o dinheiro não são infinitos. Os governos são passageiros, apesar de
seus efeitos se estenderem por tempo indeterminado. Podemos nos considerar,
como indivíduos e como nação, em uma jornada na qual temos de fazer escolhas, e
é importante pensarmos sobre elas, evitando as armadilhas da idealização, da
ilusão e do extremismo. Para isso, precisamos de conhecimento e relacionamento
– que pressupõe uma educação viva, construída e reelaborada em casa, na escola
e nas diversas experiências cotidianas. Devemos manter isso em mente como um
ideal de verdade, com metas e destinos a serem alcançados, e não como frouxa
idealização. Nós temos capitães, mas também temos influência na viagem. Sabendo
que nosso caminho é sujeito a falhas e incertezas sim, pois essa navegação é
necessária, mas não é precisa.
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